Estou morrendo, mas há um certo exagero na notícia!

 

Em 1887 a imprensa londrina publicou que o escritor americano Mark Twain havia morrido. A notícia foi republicada em jornais mundo afora. Twain era um dos escritores mais famosos do mundo, principalmente por causa do seus livros As Aventuras de Tom Sawyer (1876) e Aventuras de Huckleberry Finn (1885). Mas não só por causa destes livros. Ele era um aventureiro, lutava contra a escravidão e viajava o mundo fazendo palestras. Era conhecido por sua língua afiada. Quando a notícia de sua morte chegou até ele por meio de um repórter que queria escrever matéria sobre seu enterro, ele declarou com seu estilo zombeteiro: a notícia de minha morte é um tanto exagerada.

O anúncio precoce da morte de pessoas famosas não é raridade. Muitos cantores, políticos, artistas, jogadores já foram tiveram sua morte erradamente anunciada.

Algumas vezes a notícia é falsa, mas tem uma causa visível. Por exemplo, quando cai um avião e a personagem supostamente morta deveria estar a bordo.

Noutros casos o boato surge por causa das orelhas compridas e bocas grandes dos fofoqueiros. Loucos para espalharem novidades, eles esticam as orelhas para ouvir conversas alheias. Ouvem mal.

Uma pessoa diz: — “Aqui e agora”.

A fofoqueira orelhuda entende: — “Caqui e amora”

A pessoa diz: — “Abóbada celeste.”

A fofoqueira escuta: — “a boba da Celeste”.

Com a língua coçando a fofoqueira passa a conversa adiante:

— “Comadre, sabe a boba da Celeste? Pois é, comeu caqui e amora, morreu.”

Hoje em dia os boatos estão dando lugar às fakenews. A palavra é importada e está na moda. Criada nos Estados Unidos ela foi adotada com vigor pelas redes sociais. O verbo fake significa falsificar, fabricar, inventar, enganar, adulterar, imitar, fingir, mentir, fraudar. O substantivo correspondente tem significados correlatos, como falsificado, adulterado, fraudado.

Portanto, fakenews significa notícia (news) falsa (fake).

Embora tenham coisas em comum, fakenews é diferente da fofoca e do boato. A fofoca é a maledicência de quem não tem o que fazer e fica de olho na vida alheira. O boato é notícia falsa criada pela ignorância e pela desinformação. A fakenews é a notícia falsa criada com o propósito de enganar o próximo.

Nos últimos anos estamos vendo as fakenews tomaram conta das redes sociais e das conversas entre amigos. São notícias falsas criadas para enganar. Elas têm o propósito de dar um falso brilho a ídolos de barro ou embaçar o brilho dos heróis de verdade.

As fakenews enganam as pessoas simples e crédulas porque tentam forjar a aparência de notícia. Seus autores, sem cerimônia, inventam locais, datas e fatos e colocam como se tivessem sido testemunhados por pessoas importantes, como cientistas, médicos, professores, juristas. Algumas fakenews usam nomes verdadeiros e misturam alguns fatos reais para dar maior credibilidade à mentira.

Fofocas, boatos e fakenews sempre existiram. Agora, porém, estão se multiplicando em escala industrial. Isto acontece porque a Internet aceita qualquer coisa e tudo que se coloca nela chega rapidamente a milhões e até bilhões de pessoas.

Eu mesmo já fui vítima de muitas fakenews. Veja as três mais alopradas delas.

Espondilite

Sofro de uma doença chamada espondilite anquilosante. Embora comigo há décadas, ela só se manifestou com toda sua feiura no final de 2019. Na ocasião tive que renunciar às minhas atividades porque estava paralisado pela dor.

Pouco a pouco, porém, fui compreendo a doença e consegui controlar os seus aspectos mais danosos. Umas das formas mais importantes do tratamento é o movimento e o exercício físico. Quanto mais quieto fica o paciente, mais ele sofre com a dor e mais rapidamente ele se entreva. Com isto em mente, enfrentei a dor e comecei a me movimentar. Logo eu estava caminhando. Um pouco mais e comecei a pedalar, correr, levar uma vida normal.

As marcas da doença no sangue e nos ossos diminuíram.

Bom, quando adoeci, eu não escondi a doença. Mas, quando voltei caminhar, vivi uma situação incomum: algumas pessoas passaram a me seguir e a me fotografar e filmar. Depois publicavam as fotos em suas redes sociais “provando” que eu não estava doente porque estava caminhando.

É como se eu fosse obrigado a ficar de cama para sempre ou talvez morrer logo para que a doença fosse reconhecida!

Mas quem liga para os fatos? Nas redes sociais as fakenews têm lugar de honra.

Peregrinação

Minha mulher e eu estamos planejando um passeio mais alongado pela Europa. Entre outras coisas, queremos fazer uma peregrinação pelo Caminho de Santiago.

A bem da verdade, há muitos caminhos de Santiago. São dezenas. Saindo de Portugal, os mais conhecidos são os que começam em Lisboa e no Porto. Saindo da Espanha, o mais conhecido é o que começa em Oviedo. Saindo da França, o mais conhecido é que sai de Saint-Jean-Pied-de-Port.

Foi este último que Paulo Coelho fez (em parte) e tornou famoso entre os brasileiros quando em 1987 publicou seu livro “O Diário de um Mago”.

Mas meu plano é um pouco diferente: quero fazer uma visita sentimental à cidade francesa de Lourdes e à cidade portuguesa de Fátima. Portanto, meu Caminho de Santiago deve começar em Lourdes, seguir para os Pirineus, atravessar a Espanha até o mar, e depois descer até Fátima, já no coração de Portugal. Uns 1.300 quilômetros que pretendo percorrer em umas 6 ou 8 semanas.

Digo visita sentimental porque visitei Lourdes e Fátima em 1969. Quero revê-las após mais de meio século. Mas quero colocar entre elas a catedral de Santiago de Compostela.

Alguns amigos e meus irmãos sabem deste plano. Fora isto, eu nunca o havia divulgado. Mas, semana passada, fiquei sabendo que a notícia havia sido divulgada num grupo de uma rede social. E aí veio a indefectível fakenews que é tão do gosto das redes sociais: segundo o divulgador, vou fazer esta peregrinação porque estou com um câncer terminal e preciso pagar esta promessa antes de morrer.

É comum pessoas da minha idade terem câncer. Eu, porém, não tenho. Pelo menos ainda não! Mais uma fakenews.

Minha morte

Certo dia, uns dez anos atrás comecei a receber telefonemas estranhos. Eu atendia, a pessoa me cumprimentava, perguntava se estava tudo bem e desligava. Lá pela décima ligação eu perguntei o que estava acontecendo. Não era meu aniversário, nenhuma data especial, nada de diferente. Aí a pessoa me explicou: estava circulando a notícia de que eu havia morrido. As pessoas estavam ligando para confirmar a hora do velório, mas ficavam sem graça e sem assunto quando eu mesmo atendia a chamada.

Mais uma fakenews.

Bom, a espondilite é verdadeira. Minhas caminhadas também. Ao lado da dieta rigorosa que faço, o melhor tratamento que faço são os exercícios. Se eu ficar parado uns dias, as dores voltam.

O plano de fazer a peregrinação pelo Caminho de Santiago com os acréscimos de Lourdes e de Fátima é verdadeiro. Que eu esteja com câncer, terminal ou não, é fakenews.

Com relação à minha morte — como no caso de Mark Twain — foi uma notícia exagerada. Como todo ser vivo, comecei a morrer no dia em que nasci. Mas há um certo exagero quando dizem que estou com câncer terminal ou mesmo apenas com câncer. Mas, se esta doença estiver no meu futuro, os boateiros não precisam se antecipar: eu mesmo darei a notícia (a não ser que bruxa me pegue dormindo).

Quanto a Mark Twain ele nasceu em 1835. Naquele ano a Terra foi visitada pelo cometa Halley. Em 1909 o cometa nos visitou novamente. Mark Twain, então com 73 anos, em seu tom jocoso de sempre, comentou que ele havia chegado à Terra junto com o cometa Halley, assim sendo, era justo que também deixasse a Terra quando o cometa partisse mais uma vez. Twain morreu no ano seguinte (1910), com 74 anos.

Fernando Cabral

Fernando Cabral é licenciado em Ciências Biológicas, advogado, auditor federal e ex-prefeito de Bom Despacho

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