Educampo promove cultura e valores de comunidades rurais
ROBERTA GONTIJO TEIXEIRA – Dia desses, fui até o Mato Seco com o subsecretário da Educação, Márcio Antônio da Silva e o pessoal da Embrapa. Através deles conheci lugares e projetos muito interessantes. Todos precisando de divulgação, incentivo e colaboração.
Foi uma tarde muito agradável. Não conhecia o Mato Seco, nem a estrada de acesso até lá. Ir dirigindo pelos caminhos de terra, que amo, ouvindo boa música e passando pelas propriedades rurais, imaginando como seria a vida por ali, já me causou uma sensação incrível.
A experiência foi intercalada por paradas nas propriedades vizinhas. Claro, como bons mineiros interioranos, nos serviram café, biscoito, bolo e até uma visita a um pezinho carregado de deliciosas amoras.
Entre uma fazenda e outra, um café e um biscoito, o Márcio e a Viviane foram me contando sobre a realidade local, mostrando o que já tinha sido feito e os planos futuros.
Márcio Antônio da Silva, o Gomeirinha, é natural de Bom Despacho, filho de Jamiro José da Silva, já falecido, e Noêmia Maria Sabino. Professor, é o atual subsecretário municipal de Educação.
Atualmente, Márcio desenvolve sua tese de doutorado. Utiliza como piloto a Escola Municipal Virgílio Antônio da Silva, no Mato Seco, única restante dentre as 25 escolas rurais que Bom Despacho chegou a ter. Descobri, através da tese em construção, que nos últimos 20 anos todas as demais Escolas rurais então existentes no município foram desativadas. Grande parte desses encerramentos deram-se na gestão do ex-prefeito Haroldo Queiroz e foram motivadas por diversos fatores. Entre eles destaco:
1) junção de uma escola a outra, obrigando os alunos a migrarem para lugares distantes, com a justificativa de poupar gastos ao município, facilitar a coordenação pedagógica e promessa de maior qualidade no ensino.
2) promessa de uma vida melhor, mais estruturada e mais interessante nas cidades, o que nem sempre corresponde à realidade.
3) prática cada vez maior da monocultura na região, particularmente da cana-de-açúcar, que inibe a agricultura familiar e a renda digna e independente dos agricultores locais, obrigando-os a se deslocarem para a cidade em busca de renda e subsistência
Não bastasse isso, os modelos de ensino utilizados nas escolas rurais eram os mesmos da cidade, não havendo especificidades, identidades e adaptações a cada local.
Nesse cenário, Márcio – em conjunto com a Embrapa e o Município, apoiados por outros órgãos e entidades – pretende o desenvolvimento de sua tese de doutorado chamada “Educação no Campo no Município de Bom Despacho – Educampo”.
Primeiro, levantando as necessidades e os interesses do local, onde existe uma diversidade de moradores, dentre eles os rurais dos povoados e fazendas da região, os quilombolas, oriundos dos quilombos Carrapato, da Tabatinga e Quenta Sol, e até do morador de uma tribo indígena que, apesar de situar-se em no vizinho município de Martinho Campos, tem no território de Bom Despacho a Escola mais próxima.
A finalidade desses levantamentos é entender como funciona a vida para esse grupo de pessoas. O que lhes interessa? O que podem produzir? O que faz parte de sua cultura e de sua identidade? Qual é seu ponto forte? E o fraco? Como manter os alunos ali, envolvidos, interessados, presentes? Como colaborar para que os pais tenham renda no local onde vivem e discernimento para incentivar seus filhos a buscar educação? Como ajudá-los a cuidar e melhorar o entorno?
Levantamentos feitos, o passo seguinte foi dar início ao projeto na única escola rural em funcionamento, a Escola Virgílio Antônio da Silva, no Mato Seco. Inicialmente, essa Escola passou a ter a presença diária de uma diretora, uma vice-diretora e duas pedagogas. Depois, recebeu uma Sala de Informática com Internet, projetor e 18 computadores. Uma ex-aluna da Escola, Késia, que hoje mora em Bom Despacho, foi designada como professora de Tecnologia Digital.
Outra medida foi a capacitação de professores para lidar com as especificidades locais, bem como levar profissionais de áreas ligadas ao campo – veterinários e agrônomos – para dar palestras na Escola. O espaço do entorno da Escola também está sendo preparado para o plantio de uma horta com a participação dos alunos, sob a orientação de educação cooperativista.
O que se busca é motivar o interesse dos alunos e familiares em permanecer no local, ali produzirem seu sustento e terem uma vida mais próspera.
Outro projeto em análise é a montagem, no núcleo da Escola, de uma indústria cooperativa para transformar os plantios locais: seja produção de polvilho ou de polpas de fruta para comercialização.
A ideia é fortalecer essa escola, fazer o projeto decolar e reabrir novas escolas rurais, em novos lugares, ou ainda reativar as muitas que foram fechadas. Alguns dos espaços físicos dessas antigas escolas ainda encontram-se lá, só que em completa degradação.
Os ideais do Educampo não envolvem apenas conhecer as necessidades das pessoas que vivem na zona rural, nos quilombos e na tribo indígena. Ela vai além. Pretende valorizar o que essas culturas e lugares têm e fomentar a agricultura familiar, a produção local, a redução da crescente monocultura, particularmente da cana-de-açucar, em nossa região.
A ideia não é limitar a vida de alunos e famílias ao campo, é fortalecer essas referências, é nutrir a educação, respeitando as individualidades. É dar asas a essas pessoas para conhecerem o mundo através de livros, viagens e acessos, mas mantendo suas raízes na terra, na sua história. É devolver-lhes a dignidade que só temos quando nos damos conta de quem somos, do que podemos e do valor que possuem as nossas origens.
Eu adorei o projeto, o passeio, o bolo, o café quente, as companhias e a amora. Renovei minha meio desgastada fé de que vamos reconstruir, ainda que a passos curtos, ainda que no nosso entorno, um País mais plural, mais diverso, mais bem informado e menos desmatado.
Roberta Gontijo Teixeira é bacharel em Direito, ambientalista e servidora pública federal em Bom Despacho.