Neste domingo vamos votar em paz
FERNANDO CABRAL – Já houve época em que coronéis mandavam seus colonos votarem sob ameaça da chibata. Naquele tempo o voto não era um exercício de democracia, mas um exercício de submissão por medo. Mesmo assim, para evitar qualquer risco para os resultados desejados, os coronéis já entregavam as cédulas preenchidas. Era só o caboclo depositar na urna. Chamava-se voto de marmita. Se mesmo assim alguma coisa falhasse, o coronel ainda poderia dar um jeito para as coisas ficarem do seu gosto. Era só mandar confeccionar a ata da forma que lhe fosse mais conveniente. Era o famoso bico de pena. Com a adoção da urna eletrônica, tudo isto virou passado. Não existe mais voto de marmita e não existe mais bico de pena. Acabaram-se as fraudes, tão comuns no passado. Tanto que, desde a primeira eleição via urna eletrônica, nunca se registrou nenhuma fraude. Contudo, há uma coisa muito antiga que pensávamos já estar enterrada no passado: a violência eleitoral, que este ano ressurgiu com fôlego renovado.
A ideia da democracia num estado democrático de direito moderno é simples: com base na sua livre vontade, o cidadão vota de acordo com sua consciência, suas crenças, suas esperanças. Somam-se os votos e o candidato que recebe mais votos ganha e vai governar. Ou vai legislar, quando o voto é para o legislativo.
Outro princípio que rege as democracias é a periodicidade das votações e a alternância de poder.
A periodicidade varia de país para país, mas geralmente está entre 4 e 6 anos. A fim de garantir a alternância, os países democráticos ou impedem totalmente a reeleição consecutiva ou permitem apenas uma reeleição. É o caso do Brasil e dos países democráticos em geral.
A falta de eleições periódicas, ou a possibilidade de o mandatário se reeleger indefinidamente tem estado muito associado a ditaduras e a governos militares. Exemplos atuais são a China, a Rússia, a Venezuela, a Coreia do Norte. No passado recente tivemos o Chile, Uruguai, Paraguai, Panamá e muitos outros. Entre os exemplos menos recentes tivemos a Alemanha nazista, a Itália fascista, o Brasil getulista, a ditadura franquista (Espanha), a ditadura salazarista (Portugal).
Todas estas ditaduras, no passado e no presente, temiam o voto popular. Assim, ou o aboliam completamente, ou criavam pantomimas para encenar eleições livres.
Com relação à alternância e às eleições periódicas, os Estados Unidos são frequentemente citados como exemplo. A razão é simples: nos seus 250 de independência, eles sempre mantiveram eleições periódicas a cada quatro para eleger o mandatário máximo do país. Nunca houve uma ditadura, nunca houve um golpe de estado, nem mesmo em épocas de grandes crises, como guerra civil, guerras mundiais ou derrocada econômica, como aconteceu em 1929. Ao longo de 250 anos de independência, as eleições foram realizadas a cada quatro anos e o governante antigo substituído pelo novo. Lá também a reeleição só é permitida uma única vez.
No Brasil, desde a promulgação da nova Constituição (1988), temos tido eleições regulares a cada quatro anos. O candidato eleito tem assumido e governado como manda o figurino. Esta periodicidade nas eleições e a garantia da alternância de poder são prerrequisitos para nos colocarmos entre as verdadeiras democracias.
No entanto, alternância de poder e periodicidade das eleições não são suficientes para termos uma democracia. Faltam três outros elementos: a) a liberdade que os candidatos precisam ter para divulgar suas propostas; b) a liberdade que o eleitor precisa ter para escolher de forma livre e consciente a proposta que mais lhe agrada; e c) a certeza que o voto depositado na urna será contabilizado de forma honesta.
A terceira condição — a exigência de que o voto seja computado de forma honesta — vem sendo muito bem garantida pelas urnas eletrônicas. Pelas urnas eletrônicas porque até o momento se mostraram seguras e invioláveis. E o fizeram tanto no plano teórico quanto no plano prático. Ao longo de quase três décadas elas já resistiram de forma magnífica à análise dos acadêmicos, aos ataques dos hackers e ao teste do tempo.
Quanto ao item a — a liberdade que os candidatos devem ter para divulgar suas propostas — o caminho tem sido mais áspero pois os abusos são continuados. Mentiras, boatos e fakenews têm feito parte de muitas campanhas tanto no ataque como na defesa. Nas redes sociais vemos candidatos que embelezam em demasia seus próprios atributos e pintam seus adversários como o diabo.
Mesmo assim, na campanha oficial, o cenário é positivo, a despeito de alguns defeitos.
Do lado positivo, todos os candidatos têm espaço para se manifestarem e os abusos mais gritantes são tolhidos pela justiça.
Do lado dos defeitos, temos o alto custo que o cidadão paga e a distribuição do tempo de forma injusta. Como os maiores partidos recebem as maiores fatias de tempo, os candidatos novos, com partidos novos e ideias novas ficam prejudicados.
Quanto ao item b — a liberdade que o eleitor precisa ter para escolher de forma livre e consciente a proposta que mais lhe agrada — ele fica muito prejudicado por causa das fakenews, dos boatos e das mentiras.
Tomar decisões erradas faz parte das nossas vidas. Mas, a chance de errarmos aumenta quando recebemos informações falsas ou quando não temos acesso à informações verdadeiras. É por isto que boatos, mentiras e fakenews são ruins para as eleições e para a democracia.
Pior ainda é quando a arma do convencimento deixa de ser a retórica, o discurso e o debate e passa a ser a bala, a faca, a porretada. No entanto, é isto que temos visto no Brasil este ano: a troca da civilidade, do respeito mútuo, do argumento convincente pelos tiros, pelas pauladas, pela ameaça de tirar a marmita dos mais pobres.O eleitor precisa ter absoluta liberdade para escolher. Ele não pode ser pressionado sob nenhum pretexto e de nenhuma forma. Qualquer coisa menos do que liberdade ampla, irrestrita e total neste item representa fraude nas eleições e violação da democracia. Neste aspecto, os atos violentos com que nos deparamos nos jornais representam uma grave violação da ordem democrática. Por isto o eleitor deve se acautelar. Não deve se envolver em discussões onde o clima está acalorado. Ele deve apenas — silenciosamente, se necessário for — se dirigir à urna e depositar seu voto na certeza de que ele conta. Ele é importante. Ele vivifica a democracia e ajuda a construir o Brasil.
Engenharia social
Os sistemas eletrônicos não são perfeitos, mas são muito seguros. É isto que permite que bancos, cartões de crédito, seguradoras, governos, cartórios, empresas, organizações não governamentais e nós mesmos usemos sistemas eletrônicos todo o tempo.
Como os sistemas eletrônicos tendem a ser seguros, os golpistas raramente tentam atacá-lo. Em vez disto, eles atacam as pessoas, o elo fraco do sistema. Por exemplo, eles ligam para o celular se fazendo passar pelo banco, pelo INSS, pela operadora de cartão, por oficial de justiça. Eles sabem que as pessoas são frágeis porque são distraídas, são gananciosas, são esquecidas, são medrosas, são ansiosas. Usando estas fraquezas, eles conseguem a senha da pessoa ou conseguem que a própria pessoa lhes transfira dinheiro. Portanto, não burlam o sistema, eles burlam a confiança das pessoas.
Esta forma de operar chama-se engenharia social. Ou seja, engenharia social é a arte de fazer com que a própria vítima transfira dinheiro para o bandido ou lhe entregue a senha para que ele saque o dinheiro, ou faça qualquer outra coisa que beneficie o golpista.
Pois bem, devido à forma como as urnas eletrônicas funcionam, elas são infinitamente mais seguras do que os bancos, os cartões de crédito e os sistemas de todos os governos. A não ser que aconteça algum fenômeno tão inesperado quanto o voo de um unicórnio, cada voto que o eleitor depositar na urna eletrônica será corretamente contado e somado aos votos do seu candidato, se ele tiver — ou dos brancos e nulos, se ele assim tiver decidido.
Mas, é aí que entra a engenharia social: como não existe nenhum método conhecido e factível de violar as urnas eletrônicas, aqueles que temem os resultados que sairão delas usam o sentimento do medo e da ansiedade para instilar na cabeça do eleitor a ideia de que seu voto pode ser mudado após ser registrado na urna. Não pode e não será.
As urnas eletrônicas acabaram com as fraudes eleitorais, principalmente com o voto de marmita e o bico de pena. A tentativa de fraude que agora vemos surgir tem a forma de engenharia social. O golpe se constitui em minar a confiança do eleitor, afastá-lo do seu direito sagrado de votar e talvez fazer com que ele próprio viole o segredo do voto — da mesma forma que as vítimas dos estelionatários revelam suas senhas.
O eleitor não deve cair neste golpe. Domingo, dia 2 de outubro, ele deve se dirigir às urnas e votar. Deve votar com convicção. Deve votar da forma como sua consciência mandar. Deve votar sem medo e com a certeza de que voto conta. Seu voto ajuda a fortalecer a democracia e melhorar nosso futuro.
Neste domingo, que a paz esteja conosco.