Juliana: lágrimas na chuva

 

LÚCIO EMÍLIO JÚNIOR – Ontem de manhã, quarta-feira (21), encontrei Juliana, minha colega de trabalho, pela última vez. Falamos sobre o diário eletrônico. Ela contou que havia jogado no sistema as datas e não as notas dos alunos. Comentou como ele, às vezes, sumia com as nossas coisas. Depois de tudo anotado, de repente, olhava lá e o trabalho suado sumira. Só que agora, quando escrevo essa coluna, as lágrimas descem do meu rosto… Foi a Ju que sumiu.

A Ju, às vezes, parava o carro e me dava carona, em nosso trajeto para o trabalho. Contei a ela – e ela riu muito — que um dia, debaixo de um enorme temporal, um carro parou no lugar onde ela por vezes parava para mim (uma esquina) e eu achei que era ela em gesto salvador. Para minha catástrofe, era um motorista que esperava, debaixo da chuva torrencial, uma outra pessoa que sairia de uma das casas próximas. E que não se solidarizou comigo. Eu cheguei a abrir a porta e sentar, para absoluta perplexidade do dono do carro e meu imenso constrangimento. Ele não chegou a sorrir. Bastou um olhar e meu acolhimento fictício desvaneceu.

De repente, Ju virou só lembranças. Tudo o que vive tem que morrer e um dia eu, que escrevo, e vocês leitores, todos seremos só lembranças. O que se vê, não é mais. O que ela é, agora? Mas, como disse numa belíssima frase o filósofo Mestre Eckart: “se você não viu nada, então você viu Deus…”

Então, ontem à tarde, Juliana Gabriela Santos, 38 anos, casada, mãe de dois filhos pequenos, partiu para um país ainda desconhecido. Como disse Shakespeare: “dormir… talvez sonhar”. Que sonhos de menina sonha Juliana agora? Que sonhos vieram? Deste país ainda não descoberto, ninguém jamais regressou.

Numa cena das mais lindas do cinema, na minha opinião, no filme Blade Runner, o replicante Roy Batty disse a Deckard ao salvá-lo da morte enquanto chovia: “Eu vi coisas que vocês não imaginariam. Naves de ataque em chamas ao largo de Órion. Eu vi raios-c brilharem na escuridão próximos ao Portal de Tannhäuser. Todos esses momentos se perderão no tempo, como lágrimas na chuva. Hora de morrer.” E, quando ele morre, uma pomba branca sobe ao lado dele.

Ju foi no mundo essa porta que se abre no temporal, essa mão que ajuda o próximo, tal a dedicação e generosidade que demonstrou no trabalho, junto aos filhos, aos alunos. Essa partida abrupta nos deixa incrédulos, pensando na orfandade de seus filhos pequenos e na falta que ela fará.

Eu sempre dizia a ela que eu precisava ajudá-la financeiramente com as caronas, mas ela nunca aceitou. Eu estava pensando em como, um dia, retribuir. Agora eu escrevo esse agradecimento nessa coluna, mas não há mais como agradecer-lhe pessoalmente. Os agradecimentos, como aqueles momentos que o andróide comentou, ficaram perdidos para sempre, como lágrimas na chuva… (Foto publicada no Instagram e editada pelo site)

Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior é filósofo, professor e escritor.

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