Memorial coloca à vista um pouco das nossas raízes

 

Desde os requintados desenhos rupestres da caverna de Chauvet, passando pelas suntuosas pirâmides do Egito, e chegando à modesta lápide que faz poucos dias colocamos sobre o túmulo de um irmão, um pai, um amigo, temos memoriais que marcam 40 mil anos da passagem dos humanos sobre a terra. Nossa vida é fugaz como um sopro breve, um suspiro que vem e vai sem deixar marcas. Do pó ao pó. Os memoriais, porém, tornam indeléveis os resultados da criação, do labor, das obras que nos deixaram aqueles que vieram ante de nós. Se formos diligentes, talvez tornem indeléveis os frutos do nosso próprio lavor. Os memoriais registram a jornada da humanidade.

Dia 15 passado a Fundação Bom Despacho, ligada à Paróquia Nossa Senhora do Bom Despacho, inaugurou o Memorial de Nossa Senhora do Bom Despacho. O local é simbólico e místico.

Segundo nossas lendas, foi ali que se assentaram os primeiros portugueses, negros e mestiços que por aqui aportaram. Local alto que permitia uma visão descortinada em todas as direções. Ele servia bem aos propósitos dos capitães do mato que perseguiam os negros fugitivos; mas também servia bem ao propósito daqueles que procuravam as graças de Deus elevando seus corações ao alto.

Enquanto os capitães assestavam seus olhares para o horizonte distante, em busca de sinais de fumaça de algum quilombo, os fiéis elevavam seus olhares em busca do perdão e da salvação. Foi assim que se implantou ali, logo no início da ocupação europeia, um cruzeiro de madeira de lei e se erigiu uma ermida de pau a pique com teto de sapé.

A ermida e o cruzeiro, além de expressão de fé e devoção, também desempenhavam importante papel social. A população era esparsa. As sesmarias eram grandes e as casas podiam distar muitas léguas umas das outras. Assim sendo, domingos e dias santificados representavam ocasião propícia também para a socialização e para a consolidação de um sentimento de comunidade.

O cruzeiro lavrado em aroeira que ali se assentou tanto recebeu quanto deu nome ao lugar: Cruz do Monte. A rua estreita e empoeirada que levava da atual Praça da Matriz à Cruz do Monte recebeu o poético nome de Rua do Céu. A outra rua – pouco mais que uma trilha – que também levava ao cruzeiro era conhecida como Rua do Capim.

Na confluência das ruas do Céu e do Capim se erigiu agora o Memorial Nossa Senhora do Bom Despacho.

Prédio imponente na singeleza, sua modéstia se harmoniza com o local e seus propósitos: constituir-se em memória permanente da profunda fé religiosa dos forasteiros que aqui chegaram, fincaram raízes e deram origem à Bom Despacho de hoje.

Na inauguração o acervo já contava com 500 peças, as mais variadas: patenas, cálices, fotografias, livros, documentos históricos, batinas, móveis. Como destaque especial, a imagem de Nossa Senhora do Bom Despacho, entalhada em madeira, provavelmente no século XVIII e trazida pelos portugueses que se estabeleceram por aqui.

A inauguração contou com a presença de autoridades civis e eclesiásticas, e foi abrilhantada pela Banda de Música do 7° Batalhão, por apresentação do cantor e compositor Toninho Saudade e pela encantadora participação do Coral Voz & Vida.

O memorial está aberto à visitação pública. Por enquanto, somente mediante agendamento que pode ser feito na Casa Paroquial, na Praça da Matriz.

Dizem que aqueles que não conhecem sua história estão condenados a repetir seus erros. Os memoriais, além de aguçarem nossa estesia, nos aproximam de nossas origens e nos ensinam a olhar para o futuro sem negar o passado. Assim como o que seremos tem raízes no que somos, o que somos tem raízes no que fomos. O memorial agora inaugurado coloca à vista um pouco das nossas raízes, as raízes de Bom Despacho.

FOTOS gentilmente cedidas por Bruno Mota.

Fernando Cabral

Fernando Cabral é licenciado em Ciências Biológicas, advogado, auditor federal e ex-prefeito de Bom Despacho

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