Rastros de saudade deixados por pessoas marcantes
“A morte não é nada, eu somente passei para o outro lado do caminho. Você que aí ficou, siga em frente. A vida continua linda e bela como sempre foi. (Santo Agostinho).”
Rua do Céu, Palmeiras, Arraial, Nossa Senhora de Fátima, Praça São José e Cia. Limitada.
Nos primeiros tempos saudosos de nossa infância, as cidades, as praças, as ruas e as fazendas onde vivíamos ficaram para sempre marcadas em nossas memórias. Em Bom Despacho, várias obras literárias tiveram como cenário um desses recantos. Autores diferentes retrataram em livros sua infância ou adolescência na lendária ex-Rua do Céu: Ordália Bernardes, Gísila Couto e Mozart Foschetti.
Outra autora narrou sua infância mágica na Avenida das Palmeiras. O poeta Toninho Saudade revive a vida dele e de seus companheiros no Bairro de Fátima. O Alex, meu colega de letras, cofundador da Academia Bom-Despachense de Letras, localizou, no principiante bairro São dos anos 60, o enredo do seu “Arraial de todos os lobos”.
De minha parte, a Praça São José foi ponto de inspiração de inúmeras crônicas na minha jornada de escriba amador. Dois de nossos antigos camaradas recentemente nos deixaram e partiram para a outra vida, para o outro lado de nossa humana caminhada. Vou aqui lembrá-los homenageando-os como inapagáveis personagens da Praça São José.
Antônio Ângelo do Couto (Azul)
Bom Despacho era conhecida como a terra dos apelidos. Como o Preto do Célio Lobato e o Azul do Antônio do Couto.
O Azul morava no antigo casarão de 1915, na praça São José. Sob o prédio em construção, na casa onde ele residiu, Azul resguardou parte daquele solar mais que centenário, com a fachada e data de sua origem, um pedaço precioso da bela arquitetura do município dos princípios do Século XX.
Antônio Ângelo do Couto (Azul), dentista, coronel da PMMG, empresário bem sucedido, investiu seu capital em benefício da comunidade que amou e em que viveu.
Inesperadamente, nos deixou no dia 12 de julho último. Passou para o outro lado do caminho e foi morar no azul do céu, no azul de Deus, onde, no futuro, o reencontrarão seus amigos, sua família, sua esposa Vera Lúcia Cardoso Couto, os filhos Alexandre e Aurélio e uma netinha suíça recém nascida.
Cremados seus restos mortais, a pedido dele, suas cinzas serão lançadas sob as ramagens de uma majestosa árvore na porta de sua fazenda em Santo Antônio do Monte, juntando-se às de seu fiel amigo Dauro Carvalho Silva, que recentemente também lá foram lançadas. Amigos para sempre!
Aélcio – Preto do Célio Lobato
Os filhos do Célio Lobato e Dona Nica são uma prova do que eu disse, que Bom Despacho era a terra dos apelidos. O mais velho, o Aélcio, é o Patota.
O Aelson é o Zuca. O Aelton, ficou com o apelido de Bocão. O Aélcio, a gente chamava de Preto. E o mais novo dos filhos homens, esgotados os nomes com a mesma raiz, chamou-se Paulo, cuja alcunha era Baé. Nos anos de 1956 a 59, fiz amizade com o Preto e a molecada que frequentava a Praça São José.
Com ele e com outros companheiros inesquecíveis, usufruímos a pré e parte de uma adolescência feliz e despreocupada. O Preto era o mais boa pinta de todos e fazia sucesso com as garotas. Era chamado de o Rock Hudson da turma. Um cara formidável. Alegre e comunicativo, atraía a simpatia das pessoas e construía uma bela convivência com o próximo.
Meses atrás, como diz o Rolando Boldrin, ele partiu fora da hora combinada. Deixou-nos saudades e a recordação de um cara bacana muito bacana com quem convivemos saudavelmente.
Delpe Franco
Delpe Franco é um fluminense de Caxias. Sua família era de proprietários rurais com aquelas histórias gostosas que só a vida rural pode nos proporcionar. Por isto talvez ele tenha se dado tão bem com minha irmã Ana Tércia com quem se casou nos Estados Unidos. Quando passou a vir a Bom Despacho, periodicamente, Delpe encantou-nos a todos. Parecia-nos mais um filho, um irmão, um parente do que um cunhado. Na grande Nova Iorque onde ele e a Ana viveram por algumas décadas, os dois se constituíam em ponto de apoio e de união da comunidade brasileira. Eram muito participativos na igreja e nos eventos sociais. Delpe foi um camarada tão querido e carismático que a seu velório em Nova Iorque compareceram mais de 300 americanos, hispanos e brasileiros, amigos dele.
Delpe deixou a Ana Tércia e a todos que o amavam e obedeceu ao inexorável destino de todos nós seres humanos, em 23/05/2021. A memória de sua imagem de um mestre de incomparável e bela convivência humana jamais será esquecida. Suas cinzas repousarão em Bom Despacho.
Dona Geralda do Guilito do Engenho
Dona Gerada, esposa do Guilito do Guilo, mais do que uma mãe e dona de casa dedicadíssima, era um baluarte junto a seu esposo no sustento, na criação e na educação de seus 8 filhos, 21 netos e uma bisneta.
Era o Guilito trabalhando duro na vida rural, negociando porcos, bois, galinhas, bananas, frutas, hortaliças no Engenho, no Mato Seco, no Buriti e em Bom Despacho e algum tempo como serviçal em repartição estadual para o sustento da casa e dona Geralda, em casa, cuidando da filharada, preparando-os para a vida e para as escolas. Desse lufa-lufa veio a vitória e a recompensa: seus filhos triunfaram como seres humanos e profissionais. São dois médicos. Também tem advogado funcionário do Ministério da Justiça, jornalista da Embrapa, professora, bancária de alto escalão, empresário, contador. Pela assistência e ajuda de Guilito e o acompanhamento constante de Dona Geralda, os netos vêm seguindo a mesma trilha ditada pelos seus pais e avós. Um deles, o jovem Mateus, tornou-se recentemente funcionário de uma multinacional na Holanda.
No dia em que Geralda morreu, lembrei-me de Drummond: “Por que Deus permite que as mães vão-se embora? / Mãe não tem limite / é tempo sem hora / luz que não se apaga quando sopra o vento e a chuva desaba / mãe na sua graça é eternidade”. (Carlos Drummond de Andrade)
Por isso Geralda não morreu. Com certeza ela viverá junto aos seus. Um passo nesse rumo a família já deu, criou num cômodo da casa o “Museu Geralda”, com um grande acervo de fotos e objetos pessoais a fim de perpetuar sua presença entre eles. (Fotos: Arquivo das famílias)