Parte da minha infância que não existe mais

A padaria que frequentava em SP; lembrança da inauguração da Rodoviária de Bom Despacho; o gesto do Cláudio e outros casos

Passei a última semana em Bom Despacho, pois não queria perder o aniversário do Raimundo Junior, o Juninho. Uns dois dias antes de ir para Minas Gerais, fui até uma casa de material de construção que existe em meu bairro paulistano de Santana. Quando estava chegando ao local, percebi que a padaria que frequentei desde que nasci estava fechada. Caminhei para a porta do estabelecimento e vi que lá dentro estava tudo deserto, meio sujo e sem os tradicionais ícones de uma padaria: geladeiras, estufas para manter os salgados quentinhos, a máquina de café espresso e aquela máquina redonda para o café coada e já com açúcar, enfim, não era mais minha padaria preferida.

Fachada da antiga Padaria Lar de Santana, na capital paulista.

Voltei para casa lembrando dos momentos que mais gostava de viver naquela padaria: meu pai encomendando uma pizza (os mais novos não entenderão que houve um tempo em que não existia “delivery” e só se comia uma pizza no próprio salão da pizzaria, ou então, fazia como meu pai: encomendava uma na padaria para levar para casa). Lembrei que adorava comprar pão quente e voltar para casa comendo a ponta do pão, que ainda soltava fumaça. Lembrei de uma surra que levei de minha mãe, quando comi dois pães inteiros entre a viagem da padaria para casa.

Triste ver um pedaço de minha vida desaparecer. Mas, é assim o capitalismo. Outras padarias mais sofisticadas aparecerão… mas, nenhuma será como a minha preferida…

Lembrei dos comentários do meu sogro sobre o Cine Regina na Praça da Matriz ou do fechamento da livraria e café Saber e Sabor… lembranças…

A inauguração da rodoviária de Bom Despacho

Ainda impactado com o fechamento de minha padaria preferida em São Paulo, ouvi um relato da pessoa que me faz ir a Bom Despacho, uma história emotiva sobre a inauguração da rodoviária atual da cidade. Ela me contou que seu avô paterno sempre foi fascinado com o “progresso” das cidades. Gostava de ver surgirem avenidas, prédios, construções, obras em geral. Mas, que estava muito doente na época da inauguração da rodoviária. Sem conseguir sair da cama, doente terminal de câncer, ouvia os relatos do avanço das obras, queria visitá-la, constatar o “progresso” acontecendo, mas não conseguiu vê-la terminada.

Minha companheira terminou o relato dizendo, quase às lágrimas, que toda vez que vai me buscar na chegada de minha cidade natal ou acompanhar para partir para São Paulo, recorda de seu avô, que não teve a oportunidade de conhecer aquele local.
Lembrei de minha padaria preferida que fechou…

Cláudio

Na semana passada, também ouvi outra história que me deixou emocionado. Minha companheira havia ido ao Xuá Lanches e encontrou as vendedoras comendo uma caixa de chocolates, todas bem felizes. Perguntou qual era a ocasião para a comemoração e a resposta foi inesperada (para mim, que não conheço bem as pessoas da cidade): o Claudio, aquele rapaz que já apareceu algumas vezes nesta coluna e que anda sempre pelo meio da rua, com muita dificuldade de enxergar as coisas, quase sempre descalço ou com chinelos bem destruídos pelo uso, havia levado os bombons para aquelas pessoas, pois elas, sempre que podem, o ajudam com água ou algum favor.

Minha emoção deveu-se ao fato de uma pessoa tão sofrida, que segundo sempre escutei, ouvia gozações na rua pelos seus problemas, ter a preocupação de agradecer a gestos tão humanamente simples, como a oferta de um copo d’água. Conheço muita gente incapaz de agradecer nem a grandes favores… Parabéns, Claudio, por sua grandeza.

Encontro com os donos do buffet

Sou péssimo para guardar fisionomias e nomes. Especialmente, porque não encaro as pessoas desconhecidas nos olhos, o que é considerado muito feio e agressivo em São Paulo.

Há uns dois meses, minha companheira fez uma festa no sítio da família para receber seus amigos de infância e adolescência. Estudaram juntos desde o ensino básico até o final do segundo grau (na minha época era conhecido como colegial), enfim, todos muito amigos.

Para não ter trabalho de cozinhar e limpar o sítio antes e depois da festa, contrataram o buffet Sonho Meu, do Chico e Maria. Muito atenciosos, deixaram ótima impressão em todos, inclusive em mim.

Em um dia da semana passada, eu fui comprar umas cervejas na Mercearia do Willian e já estava voltando para casa, quando um carro às minhas costas buzinou insistentemente. Como bom paulistano que sou, não olhei para ver se era comigo (em São Paulo, a chance de você encontrar alguém conhecido na rua é mínima, então não respondemos a buzinas, ao contrário do bom-despachense, que se comunica o dia todo usando este instrumento). Ouvi, então, pessoas gritando algo como “ei, você” com alguma insistência. Como conheço o jeito bom-despachense de ser, resolvi olhar para trás, para não parecer muito arrogante. Um homem e uma mulher acenavam para mim com sorriso nos rostos. Não os reconheci. Fiz o que sempre faço, fui sincero: “perdão, sou péssimo para reconhecer pessoas. Podem me dizer quem são?”. “Somos do buffet”. Meio sem graça, e ainda sem “ligar o nome à pessoa”, como diria meu avô português, fiz um aceno e disse um “ahh” nada convincente. Quando contei à minha companheira o que havia acabado de passar ela me mostrou as fotos da festa me relembrou quem eram aquelas pessoas no carro.

Fiquei triste por ter dado a impressão de desdenho. Chico e Maria, da próxima vez vou reconhecê-los.

Xingu e India e seus cachorros adotados

Já comentei várias vezes neste espaço sobre minha surpresa com o número enorme de cães e gatos que vivem nas ruas de Bom Despacho.

No aniversário do Juninho, que foi o motivo de eu estar em Bom Despacho na semana passada, como já mencionei no início deste texto, encontrei duas “figuras carimbadas” da cidade, pelo menos nos ambientes que frequento: o Xingu e sua companheira Indianara. Sempre fico admirado com a cultura e conhecimento de ambos sobre assuntos diversos, fato que atribuo a suas atividades no setor de viagens.

Durante a festa do Juninho, ganhei mais um motivo para admirar o casal. Quando eu estava contando minhas agruras nas estradas de terra, sendo perseguido por cachorros sem donos ou com donos que os deixam livres para atacar quem desejam, Indianara comentou que tinha três cães que tinham comportamento agressivo com motos e bicicletas. Perguntei se eles eram assim desde filhotes (o que me levaria a dizer que precisariam ser treinados ainda bem pequenos) e a resposta me deixou muito feliz: “adotamos os três já mais velhos. Eram da Bicho Amigo”. Além de inteligentes, o casal adota cães de rua. E são três! Parabéns pela atitude. Bom Despacho precisa de mais ações assim.

Aniversário do Juninho

Já falei neste espaço sobre o Juninho, quando contei a história da cobra que mamava na avó dele e mantinha a mãe dele quieta, ainda bebê, colocando a ponta do rabo na boca da criança. Sempre com histórias maravilhosas, Juninho nos entreteve contando histórias do começo de seu relacionamento com a Cassia, companheira de 32 anos de casamento. Foram horas de bate-papo e histórias do Juninho. Seus causos merecem um livro. Escreva! Tenho certeza de que muitos leitores bom-despachense e do mundo todo gostariam do material. Parabéns! (Foto do alto: imagem ilustrativa)

 

Alexandre Magalhães

Alexandre Sanches Magalhães é empresário, consultor e professor de marketing, mestre e doutor pela USP e apaixonado por SP e BD

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