O padre nosso de cada dia

 

ITAMAR DE OLIVEIRA – Nossas cidades nasceram como pequenas aldeias espalhadas no novo mundo descoberto por Cristóvão Colombo para a glória de Deus Nosso Senhor Jesus Cristo e dos reis Fernando e Isabel, donos da coroa espanhola.

Cabral, o antigo Pedro Alvares, impulsionado por ventos favoráveis, chegou depois e inventou um Porto Seguro na boa terra de São Salvador.

Em torno das ermidas, capelas e igrejinhas nasceram e floresceram vilarejos, vilas e cidades coloniais do Brasil branco, preto, indígena, mulato, moreno e multicolorido. Uma terra de Santa Cruz repleta de divindades indígenas, africanas, europeias e asiáticas.

Desde os tempos coloniais nascer, viver e morrer eram acontecimentos celebrados sob a proteção da santa madre: a Igreja Católica Apostólica Romana. Todos eram batizados, crismados, casados e encomendados pelos padres e religiosos que participaram intensamente da construção da cultura e da identidade do povo brasileiro.

Não foi diferente em Bom Despacho.

Durante muitos séculos formamos uma sociedade católica.

Temos um legado de cultura religiosa que precisa ser reconhecido e valorizado.

Temos as melhores lembranças dos padres e vigários que deixaram marcas na nossa história. Um trabalho que as novas gerações precisam conhecer para saber que a vida não começa e nem acaba com a nossa efêmera passagem na coletividade.

Não foi por acaso que a morte e o sepultamento do padre Jayme Lopes Cançado, no dia 2 de maio passado, uniu e reuniu a família bom-despachense para se despedir de um de seus filhos mais ilustres.

Magro, feito Carlitos.

Piadista e inventor de trocadilhos que sorria e nos fazia sorrir. Das nossas fraquezas, das nossas limitações e das nossas ousadias e sandices.

O irmãos Jaime e Romeu, queriam ser padres.

Romeu deixou abatina para ser leigo e cidadão respeitado.

Jaime resolveu ser padre para sacerdotizar em muitas searas.

Formado na combativa congregação dos Missionários Sacramentinos de Nossa Senhora do padre Júlio Maria De Lombaerde, nosso conterrâneo foi companheiro de magistério eclesial dos padres João Heffels, Henrique Hesse e Vicente Rodrigues.

Formou com os padres Robson Teixeira Campos e Antônio Costa Franco uma trindade de bom-despachense no clero sacramentino.

Tornou-se uma referência no campo educacional. Foi líder de muitos educadores formados no curso de pedagogia da Faculdade de Filosofia da UFMG. Foi o braço direito do padre Paschoal Rangel no processo de modernização da editora O Lutador e de atualização do semanário “O Lutador” que conquistou milhares de assinantes em Minas Gerais e no Brasil. Os textos do padre Jayme merecem ser reeditados. São de muita atualidade.

Mas, sem dúvida, em Bom Despacho, o padre Jayme escreveu uma história ímpar.

Nos anos setenta, no auge da repressão autoritária imposta pelo regime civil-militar de 1964, preocupado com o futuro da juventude bom-despachense, ele fundou o movimento religioso, social e cultural “Roda Viva”. O educador e pastor arrebanhou e arrebatou a juventude de nossa terra para caminhar sem medo, sob a inspiração da doutrina social da Igreja Católica.

O Roda Viva era muito parecido com o nosso padre Jayme. Alegre, solidário, presente na comunidade e distante dos perigos que rondavam a juventude daquela época.

A política não era prioridade. Mas os jovens deveriam estar preparados para assumir as responsabilidades que o futuro poderia lhes oferecer. Na vida política, econômica social e cultural.

O movimento não era visto com bons olhos pelos donos do poder.

O nosso padre Jayme, inúmeras vezes, foi intimado a prestar declarações nos órgãos de controle e de informação do regime. Um sofrimento que certamente limitou o apostolado do nosso padre Jayme.

Felizmente o Brasil superou o regime autoritário e na democracia muitos jovens do movimento Roda Viva se destacaram na caminhada de desenvolvimento de nossa terra.

Médicos, engenheiros, advogados, empresários e líderes comunitários e políticos de Bom Despacho beberam na fonte do movimento Roda Viva a água sagrada da fraternidade ofertada pelo carisma do padre Jayme Lopes Cançado.

Muitos deles não esqueceram as lições e certamente se lembrarão eternamente do mestre.

É preciso que a juventude, nos tempos sombrios que enfrentamos, acorde para a construção de uma pátria justa, solidária e fraterna.

As lições dos nossos mestres são libertárias e eternas.

Viva a memória do padre Jayme Lopes Cançado. Ela certamente pode continuar nos inspirando.

ITAMAR DE OLIVEIRA, BRASINHA, é jornalista e escritor bom-despachense / iBOM / Foto: O Lutador

One thought on “O padre nosso de cada dia

  • 15 de maio de 2022 em 16:24
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    Grande Padre Jaime, influenciou ativamente minha vida através do Roda Viva onde descobri o que era o amor de Deus.
    Quando parti para o Seminário dos SDN em Manhumirim em 1980 fui recebido por ele, pelo Padre Henrique Hesse e Pe Leon por que tenho muito apreço.
    Roda Viva mudou vida pra melhor, me ajudou a me sentir gente, me ensinou à rezar e fez com que eu pudesse acreditar num mundo diferente.

    Boa lembranças.
    GRATIDAO

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