Precisamos de um Dia da Mulher?

Acredito que precisamos sim, e ainda por um bom tempo. Como eu gostaria de responder não, mas…

Bem às vésperas de mais um Dia Internacional da Mulher, nos deparamos com um deputado em “missão oficial” na fronteira de um país em guerra que adjetiva mulheres em busca de ajuda humanitária como lindas, apesar de pobres, e fáceis, porque pobres. A declaração asquerosa desse parlamentar gerou enorme repercussão e rejeição, isolando-o de uma forma impressionante. Mas vale a pena respirar e refletir um pouco a respeito. Infelizmente, acredito que é uma forma de pensamento não tão isolada assim. O parlamentar foi eleito em 2018 por quase meio milhão de votos…

Falando um pouco de história, há algumas versões para o surgimento do Dia Internacional da Mulher. Há uma que remonta para uma tragédia que ocorreu em uma fábrica nos Estados Unidos em 1911, um incêndio que vitimou 146 pessoas, 125 delas mulheres. Tratava-se de uma indústria têxtil em que a maioria das pessoas empregadas eram jovens mulheres imigrantes. As condições precárias de trabalho e de vida de mulheres como as que morreram naquele incêndio teriam inspirado as lutas por melhorias. Há outra versão que remete a manifestações na Rússia no início de 1917, em que mulheres trabalhadoras protestaram por melhores condições de vida e contra a participação do país na 1ª Guerra Mundial. As manifestações foram violentamente reprimidas e deram força a um movimento feminista.

Qualquer que seja a origem desse movimento, ela remonta ao início do século 20. Com o crescimento e fortalecimento dessas demandas, em 1975, a Organização das Nações Unidas – ONU – adotou 8 de março como o Dia Internacional da Mulher. Considerando o calendário cristão, essa discussão se iniciou mais de 1900 anos depois de Cristo, e o 8 de março passou a ser reconhecido internacionalmente há menos de 50 anos. É sim uma mudança recente na história da humanidade, mas 47 anos me parecem suficientes para evoluirmos mais do que conseguimos até agora.

A maioria das mulheres continua sendo preterida em diversas dimensões. Elas continuam recebendo salários menores que os homens nos mesmos postos de trabalho. Elas continuam ocupando um percentual mínimo nos cargos eletivos – tanto que nossa Câmara Municipal, com 33%, é um destaque positivo nesse quesito. Elas continuam sendo minoria nos cargos de comando das grandes empresas. Elas continuam sendo vistas como acompanhantes ou coadjuvantes na vida de seus companheiros. Ainda pior, continuam, em muitos casos, sendo vistas como meros objetos de satisfação de desejos de homens pobres de espírito como o tal parlamentar.

Espero ainda ver vocês, mulheres, dividirem com os homens as posições de destaque em nossa sociedade com mais equilíbrio. Espero ver a beleza feminina valorizada e decantada com o respeito essencial a toda relação humana. Espero ver vocês reconhecidas também pela sensibilidade, inteligência, energia, força e tantas outras qualidades que compõem essa complexa mistura que faz o ser humano, feminino ou masculino.

Episódios como o ocorrido na fronteira da Ucrânia escancaram o quanto ainda não estamos prontos. Infelizmente, não se trata de um fato isolado. Ele representa uma parcela considerável de homens que diminuem as mulheres cruelmente para se afirmarem – alguns chegando inclusive a usar de violência física para tal. Não há nada de fácil na situação porque estavam passando aquelas mulheres ucranianas. Infelizmente, não é fácil a trajetória de vida de uma parcela significativa das mulheres brasileiras – ou das mulheres bom-despachenses.

Todos precisamos refletir e contribuir para isso, homens e mulheres. Isso começa em casa, no tratamento que damos a filhas e filhos, nas oportunidades que têm maridos e esposas, nos modelos que adotamos desde nossas relações familiares. Passa pela escola, pelos “projetos de vida de sucesso” que são apresentados para meninas e meninos, quando vendemos às meninas o sonho de serem modelos ou princesas e aos meninos de serem milionários ou presidentes. Passa pelo mercado de trabalho e pelo poder público, com a oferta de oportunidades em volume mais equilibrado entre homens e mulheres, bem como com um maior número de mulheres se apresentando para esses desafios.

Existem ou não motivos bastantes para um Dia Internacional da Mulher? A desigualdade não se dissipará da noite para o dia, não há mágica. A história é desigual e está arraigada em nossa cultura, em nossa memória social. Essa “celebração” deve nos levar a avaliar continuamente o caminho e a programar alguns passos mais: em casa, na família, no trabalho, na nossa cidade.

Meus parabéns e meu respeito às bom-despachenses! Fé, força e luz!

Paulo Henrique Alves Araújo

Paulo Henrique Alves Araújo é gestor e servidor público, mestre em computação e gerente de projetos de inovação

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *