Antônio Cançado: cidadão do mundo
ENTREVISTA EXCLUSIVA: Antônio Cançado de Araújo
Há 35 anos morando na França, o bom-despachense Antônio Cançado – o Monsieur Pão de Queijo – investe numa paixão que vem da sua infância em BD.
Com 59 anos de idade, o bom-despachense Antônio Cançado de Araújo viveu a maior parte da sua vida na França, para onde se mudou em 1984. Filho de Antônio Cardoso de Araújo e Maria Aparecida Cançado – ambos falecidos -, ele morou até os 15 anos na avenida Rio Branco, região central de Bom Despacho, na época sem calçamento nem iluminação elétrica. Sua mãe era irmã da Roxa, que se tornou conhecida por várias gerações por seu trabalho no Clube Bom Despacho.
Antônio morou 15 anos em Paris e há 20 vive em Lyon, terceira maior cidade francesa. Em 2017 tornou-se distribuidor do pão de queijo Forno de Minas na França. “A ideia veio da receptividade do público francês ao pão de queijo e das lembranças da minha família e vizinhos aí em Bom Despacho, onde houve tantos momentos alegres vividos em torno do pão de queijo”.
Hoje, Antônio é conhecido na França como Monsieur Pão de Queijo e vai lançar sua própria marca num evento internacional.
Nesta entrevista exclusiva ao editor Alexandre Coelho, do iBOM/Jornal de Negócios, Antônio relembra sua trajetória, fala dos momentos difíceis e das conquistas. “Eu decidi ser feliz, pois a felicidade é bom pra saúde, como disse Voltaire. Tive muitos momentos difíceis em minha vida mas resolvi que isso tudo participaria de minha decisão de ser feliz e tornar feliz o dia-a-dia das pessoas com quem convivo”, afirma.
Fala também da saudade que sente de Bom Despacho – onde esteve pela última vez há 10 anos – e dos planos para o futuro. “Minha vida está na França, sou cidadão do mundo”, contou.
Veja na entrevista a seguir ao editor Alexandre Coelho.
O que o levou a mudar-se para a França aos 22 anos de idade?
Tinha saído do seminário e cheguei à conclusão que o sacerdócio ia além de minhas forças. Não sei viver minhas opções pela metade. Eu tinha um diploma de Filosofia da PUC/MG (1985) e havia aprendido Francês no seminário. Resolvi fazer um curso de Francês na Sorbonne para trabalhar na área do turismo com os franceses.
No final de 2 anos em Paris consegui uma equivalência de minha licenciatura de Filosofia em licenciatura de História na Sorbonne e cursei por mais 2 anos. Foi quando recebi proposta de emprego numa das maiores operadoras de turismo da França. Nela acabei trabalhando durante 20 anos.
Onde fez seminário? Chegou a se ordenar padre?
Estudei durante 3 anos em Manhumirim/MG com os Sacramentinos de Nossa Senhora, e 3 anos na Arquidiocese de Belo Horizonte com Dom Serafim Fernandes e Dom João Resende Costa. Não cheguei a cursar Teologia. Pedi para sair no final da Filosofia e não fui ordenado. Desisti porque achava o caminho muito difícil e não conseguia imaginar o celibato por toda uma vida.
Você é fotógrafo? Trabalhou na França como fotógrafo?
Não sou fotografo profissional no sentido de que ganho meu sustento com isso. A fotografia sempre foi uma paixão. Inicialmente, o desejo era levar as belezas do mundo para minha família e meus amigos do Brasil e, depois, com o intuito de eternizar momentos.
Me lembro de uma exposição que eu fiz no Clube Social de Bom Despacho em 2002. Na época, um garotinho chegou até mim e disse: – Tio, eu não estou conseguindo acreditar que o mundo seja tão bonito quando o que você mostra.
Aquele menino me fez tomar a decisão de continuar fotografando as belezas do mundo e compartilhando com quem desejasse ver o que eu captava.
Fiz exposição no Palácio da Unesco de Paris faz 10 anos, pois sou fotografo oficial de um evento que gosto muito: a Lavagem da Madalena, inspirado na Lavagem do Senhor do Bonfim, na Bahia. Minha exposição foi inaugurada pela então diretora-geral da Unesco, Irina Bokova, que veio de Nova York para a ocasião e com quem tive o prazer de conversar durante mais de uma hora sobre a importância da valorização da cultura negra e sua influência na cultura européia de hoje.
Irina me perguntou porque, com tamanha riqueza de cores, eu havia escolhido o preto e branco para minha exposição. Respondi que no preto e branco somos todos da mesma cor. Ela ficou encantada e me perguntou há quanto tempo eu estava na França. Quando contei que estava lá há 25 anos (na época) ela me disse que eu já não era mais brasileiro e que já teria pedido o passaporte francês. Respondi que continuo brasileiro e que nunca tinha precisado ser francês aqui para me sentir em casa e bem acolhido.
Em setembro 2022 vamos fazer o lançamento de um livro, na Prefeitura de Paris, onde teremos dezenas de páginas com minhas fotografias.
Qual é sua formação profissional?
Tenho diploma de guia de Turismo pelo SENAC/MG. Sou um autodidata, curioso e apaixonado pelo aprendizado. No seminário aprendi a humanidade, a compaixão e o desejo de ajudar o outro a ser o que ele pode ser de melhor.
Você morou em quais cidades da França? E atualmente, mora em qual cidade?
Morei 15 anos em Paris e há 20 anos resido em Lyon. Mudei para Lyon depois que a França bateu o Brasil de 3×0 no Stade de France, na Copa de 1998. Naquela época eu tinha investido tudo o que tinha e o que eu não tinha na música da vitória do Brasil. Depois da Copa meu ex-patrão veio me ver e disse: – Sei que você não ganhou dinheiro com a Copa do Mundo. Quer voltar a trabalhar na minha agência de viagens? Respondi que voltaria se ele me desse um adiantamento de 50 mil euros para pagar as dívidas. Ele respondeu: – Acha que eu estou comprando passe de jogador de futebol?
Perguntei qual faturamento ele esperava da empresa no primeiro ano em Lyon e ele disse que esperava faturar 1 milhão de euros. “Fechado. Eu vendo 1 milhão de euros para você e você me adianta meus 50 mil euros. Comecei a trabalhar 15 dias depois dessa conversa e faturamos 1,5 milhão de euros no primeiro ano. Deu certo.
Na virada deste ano você postou em rede social que sua prece é gratidão “até mesmo pela dor que forjou o meu caráter”. Passou muitas dificuldades quando saiu de BD? Qual a maior dificuldade que encontrou nesses 35 anos? Em algum momento pensou em desistir? O que o motivou?
A dor é uma realidade, o sofrimento é uma escolha. Eu decidi ser feliz, pois a felicidade é bom pra saúde, como disse Voltaire. Tive muitos momentos difíceis em minha vida mas resolvi que isso tudo participaria de minha decisão de ser feliz e tornar feliz o dia-a-dia das pessoas com quem convivo.
A felicidade pra mim é uma escolha, um modo de funcionamento. A diferença entre um ganhador e um perdedor é o tempo que cada um leva para se levantar depois de uma queda. Quando eu caio sou igual bola de ping-pong: repico mais alto e vou ainda mais longe. Como disse Mandela, eu nunca perco. Ou eu ganho ou aprendo.
O que o levou a investir no pão de queijo? Como surgiu essa ideia?
Em 2017 eu recebi aqui em Lyon o Dom Raimundo Damasceno, cardeal emérito de Aparecida do Norte/SP. Ele veio trazer uma imagem de Nossa Senhora Aparecida para a comunidade brasileira de Lyon. Eu o acompanhei durante uma semana e na véspera da cerimônia fui a Portugal e voltei com 50 kg de pão de queijo para servir os convidados na Festa de Entronização de Nossa Senhora. Foi um sucesso enorme e meus amigos continuavam a pedir pão de queijo. Então me tornei distribuidor da marca Forno de Minas para a França
A ideia veio da receptividade do público francês ao pão de queijo e das lembranças da minha família e vizinhos aí em Bom Despacho, onde houve tantos momentos alegres vividos em torno do pão de queijo.
Hoje você tem clientes de pão de queijo em quantas cidades da Europa? Tem lojas próprias?
Tenho clientes em dezenas de cidades da França e algumas outras da Europa. Não tenho lojas nem empregados. Por enquanto sou eu comigo mesmo.
Como surgiu a designação Monsieur Pão de Queijo?
Começou de brincadeira entre amigos, que começaram a me chamar do “cara” do Pão de Queijo.
Numa entrevista ao programa ‘Empresários de Sucesso’, você afirmou que o brasileiro é muito bem aceito na França. Palavras suas: “Quando falo de Brasil o sorriso vai até as orelhas, os olhos brilham”. Por quê? O que nos torna tão especiais para os franceses?
Nossa capacidade de encontrar soluções para problemas, nosso bom humor, alegria, musicalidade e carinho com que nos tratamos
No mesmo programa você também disse que, na França, “sempre tenta valorizar a cultura brasileira (…) a cultura mineira”. E arrematou: “antes de ser brasileiro, eu sou mineiro”. Eu pergunto: antes de ser mineiro, você é bom-despachense. O que levou da sua história e da cultura bom-despachense para a França?
Sem dúvida que sou bom-despachense apaixonado por minha cidade. Não passa um dia que eu não pense na minha terrinha, no Jardim de Infância Pequeno Príncipe (moro faz 20 anos na terra de Antoine de Saint Exupéry), no Coronel Praxedes, no Miguel Gontijo, no Clube Social onde aprendi com minha tia Roxa como se organizava um evento, com Oldack e Ozanan, Dona Jane Oliveira, Dona Branca, Dona Liquinha, Professor Tadeu Araújo, Juraci Floresta, Professor Elvino Paiva, Padre Jaime, Padre Leo, Padre Henrique, Padre Pedro, Doutor Washington, Odette e Geraldo da Casa Freitas e tantos personagens do meu passado que ainda vivem no meu presente.
Conhece muitos bom-despachenses que vivem na França ou na Europa? Mantém contato com eles?
Graças às redes sociais tenho tipo oportunidade de reencontrar muitos conhecidos de meus 15 anos de Bom despacho pelo mundo afora
Bom Despacho é uma síntese dos valores e tradições mineiras. A culinária doméstica na sua infância norteou sua decisão de investir no pão de queijo, produto tipicamente mineiro, que você anunciou na França como ‘o melhor do Brasil’?
Sem dúvida, ainda hoje pensava em minha avó Alice, que guardou o costume de receber 25 litros de leite diariamente e as 18h00, todos os dias, ela fazia seu queijo delicioso, no biscoito da Dona Raimunda, da Aidê do Bayard.
O pão de queijo faz parte de meu DNA. Quando criaram o dia nacional do pão de queijo ele caiu no dia do meu aniversario.
Estando na Europa há 35 anos, do que mais sente saudades aqui na sua terra? Vem com que frequência à cidade?
Minha última viagem ao Brasil foi em 2012. Sinto saudades e quero voltar para ver o meu povo e abraçar meus amigos, comer um feijão tropeiro do Zé Garapa… Tenho uma exposição de fotografias programada para maio 2023 em Santo Amaro da Purificação/BA e seria muito bom programar uma mostra também em Bom Despacho,
Numa postagem em rede social você escreveu: “Quando eu decido eu venço e quando eu esqueço nem precisa me lembrar porque tudo na minha vida é escolha”. Você saiu de BD com 22 anos, foi para a Europa e construiu sua vida. Cabe aqui a expressão “vim, vi e venci”. Que mensagem deixa para jovens bom-despachenses que buscam rumo na vida?
Saí de Bom Despacho aos 15 anos para o seminário. Quando fecho os olhos me lembro das lágrimas rolando no ônibus da Santa Maria em direção a Belo Horizonte. Naquele momento eu cantava baixinho: ‘Por escutar uma voz que disse que faltava gente pra semear, deixei meu lar e sai cantando e assobiando pra não chorar’.
Quais seus planos para o futuro? Expandir-se pela Europa? Pensa em voltar a morar no Brasil?
Daqui a 3 semanas estou lançando minha marca própria de pão de queijo. O lançamento será num grande evento internacional com cerca de 300 fabricantes de queijo francês. Meu pão de queijo está conquistando a França e a Europa. Meu sonho é conseguir o tombamento do pão de queijo como Patrimônio Imaterial pela Unesco em homenagem a todas as mulheres bom-despachenses que marcaram minha vida e às lembranças do tempo em que eu ia arrancar mandioca com meus irmãos na roça, ou plantar arroz e cará.
Minha vida está na França, sou cidadão do mundo. Tento honrar minha pátria, minha cidade, meus antepassados. Sou como o vento que abana as folhagens nas margens Rio São Francisco. Não faz sentido sonhar eu voltar para o Brasil. Faço mais pelo Brasil aqui na Europa que se estivesse do outro lado do rio (iBOM).
Foto acima: Antônio na Esplanada de La Défense, em Paris.
Leia a entrevista em Francês clicando AQUI
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