Minas é logo ali

“Rosa mineira, flor brasileira / Porta-bandeira das Gerais / Moça bonita, flor na janela / Tem o perfume dos cafezais / A mais bela das pastoras / Senhora desses quintais / Sigo seus passos, ela caminha / Pelas veredas ela vai / Doce mineira, sempre a primeira / Gosto quando ela diz “uai” / Velha mina seresteira / Dos bonitos madrigais / E Minas Gerais não fica longe / Minas é logo ali / Depois da curva, depois da chuva / Depois do vento, você / Luzes que passam, noites serenas / Bom para a gente ouvir um som / Fique comigo, cante comigo / Eu e você, tão bom / Quantas tardes na varanda / Olhando o por do sol / E Minas Gerais não fica longe / Minas é logo ali / Depois da curva, depois da chuva / Depois do vento, você / Minas Gerais não fica longe / Minas é logo ali / Depois da curva, depois da chuva / Depois do vento, você”

Almir Sater e Renato Teixeira fizeram esta linda música chamada “Minas é logo ali”, claro, sobre Minas Gerais.

Acredito que Minas Gerais e Bahia sejam os dois estados brasileiros que mais são estereotipados. Pelo menos, pelo público paulistano. Aqui pensamos sempre em baianos relaxados, vagarosos, sem pressa para viver.

Já Minas Gerais, para um paulistano, é a terra da fartura da comida: muita carne de porco, muito torresmo, tutu, muita cachaça de ótima qualidade, muitas mulheres bonitas, enfim, uma terra que é muito boa.

Quando eu estava frequentando Bom Despacho mais amiúde, toda vez que falava para um amigo ou conhecido que iria a Minas Gerais, invariavelmente a resposta era a mesma: “Minas é tudo de bom”.

Claro, minha resposta sempre foi de concordância.

Mas, o que venho descobrindo ao longo destes quatro anos que frequentei Bom Despacho, é que, para um paulistano, Minas Gerais restringe-se ao sul do estado, a parte mais fronteiriça com São Paulo. O pessoal me perguntava: sua namorada mora em Monte Verde? Para um paulistano médio, Minas Gerais se restringe a Belo Horizonte, Monte Verde, porque muitos adoram ir para lá no inverno, pois é região de montanha, Poços de Caldas, porque muitos de nossos pais e avós passavam a lua de mel nesta cidade (minha mãe até fala de sua ida para Poços de Caldas em sua lua de mel) e mais quase nada.

Quando explico que minha namorada mora em Bom Despacho, percebia que a pessoa com quem eu conversava fazia uma cara de interrogação. E invariavelmente, perguntava: “mas é perto do quê?”.

O queijo

Também fui muitas vezes questionado sobre coisas que sempre ouvimos, mas que um paulistano muitas vezes não sabe se é assim mesmo, se não há exagero na história ouvida. “Mineiro come muito queijo, mesmo?”. Eu explicava que, pelo menos o pessoal de Bom Despacho, come muito queijo. Que é um alimento que estava sempre presente nas casas e mesas bom-despachenses. Até hoje eu me espanto com isso, com essa paixão pelos vários tipos de queijo. E como entendem de queijo, se é fresco, meia cura etc, coisa que eu só passei a escutar depois de me tornar um quase mineiro.

 

O “trem”

“É verdade que para tudo falam “trem”?”. Sempre confirmo e acrescento que eu não tenho a menor condição de acompanhar uma conversa em Bom Despacho. O trem substitui todas as palavras substantivas. Como é possível entender o que uma pessoa está falando, se para tudo ela usa “trem”? Quando falo com minha namorada bom-despachense, o que mais eu digo é “preciso de mais detalhes sobre o que você está me pedindo”. Como saber o que significa “pegue aquele trem para mim”? Na minha cabeça, pode ser muitas coisas, mas para minha surpresa, as pessoas pegam exatamente aquilo que minha namorada bom-despachense está pedindo.

O “uai”

Sobre o uso do “uai” também há muita curiosidade. E é difícil explicar para meus amigos paulistanos sobre a posição do “uai” na frase, pois depende da entonação e do sentido que aquele que fala quer dar à frase. Eu explico mais ou menos como eu acho que é: “uai” no começo denota um pouco de dúvida e no final, um pouco de indignação com algo que foi perguntado. Mas, juro que até hoje não sei bem como usar o “uai”. Por medo e por falta de costume, acho que nunca disse um “uai”, a não ser quando estou brincando com minha namorada bom-despachense ou um de seus amigos.

A cachaça e a água-ardente mineira

Todos meus amigos paulistanos, especialmente os que gostam de bebidas alcoólicas, sempre que sabem que eu vou a Bom Despacho, me pedem cachaça. Não pedem nenhuma marca específica, não fazem nenhuma exigência. Apenas pedem para trazer uma cachaça mineira. É incrível como esta bebida é endeusada em São Paulo. Uma vez fiz um teste com meus amigos do futebol e disse a eles que a cachaça era oriunda de Minas Gerais. Todos tomavam, batiam os lábios de satisfação e diziam algo como “é outra qualidade, não se compara às fabricadas aqui em São Paulo”. Nem tive coragem de dizer que aquela era uma pinga paulista de uma cidade perto da capital. Achei que poderia apanhar de meus amigos.

A natureza em Minas Gerais

Mas, o que mais me dá prazer em falar sobre Minas em geral e sobre Bom Despacho em particular era a natureza. Um paulistano com menos de setenta anos jamais nadou em um rio limpo, jamais viu um quati ou uma seriema de perto. Isso é o que mais sinto falta quando estou em São Paulo: correr nas matas e estradas de chão de Bom Despacho. Ir até a Ponte da Amizade e entrar um pouco no Rio Lambari. Puxa que saudades de fazer isso novamente. Estive recentemente em Bom Despacho, mas as chuvas me impediram de nadar perto da Ponte da Amizade.

Pena que Almir Sater e Renato Teixeira não foram muito verdadeiros quando deram o título à canção “Minas é logo ali”. De São Paulo a Bom Despacho são cerca de setecentos quilômetros, distância que eu espero continuar a percorrer por muitos anos.

“Minas é tudo de bom”!

 

Alexandre Magalhães

Alexandre Sanches Magalhães é empresário, consultor e professor de marketing, mestre e doutor pela USP e apaixonado por SP e BD

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