Chuvas e Aquecimento Global

Nosso planeta está ficando mais quente. No entanto, isto não é novidade. Faz mais de 50 anos que os cientistas nos têm alertado para o fenômeno e seus perigos. Apesar disto, os governos pouco fizeram para remediar o mal já feito ou para evitar que continue piorando. Nos últimos dias Bom Despacho, o Estado de Minas e algumas outras regiões do Brasil tiveram uma pequena amostra do que nos espera nos próximos anos: mais chuva, mais seca, e — paradoxalmente — mais frio e mais calor. É a mudança climática que se tornando visível para todos.

Os bom-despachenses estão enfrentando um mês de janeiro molhado. Enfrentamos chuvas torrenciais faz mais de uma semana.

Chuvas tão intensas provocam danos. As ruas estão destruídas, as estradas rurais estão intransitáveis e muitas pontes foram levadas. As culturas das várzeas estão se afogando com o transbordamento de rios e córregos. As culturas dos locais mais altos estão sob risco de apodrecimento e ataque por pragas. Nas hortas a destruição é grande porque a maioria das hortaliças não suporta excesso de umidade.

A BR-262 e a MG-164 estão não apenas esburacadas, sofreram com desbarrancamentos, quedas de árvores, escorregamento de encostas. Muitas pontes foram cobertas pelas águas.

É a imagem do caos.

A restauração deste cenário de destruição que Bom Despacho vive exigirá esforço, tempo, e dinheiro. O momento exige compreensão e paciência de todos nós. Levaremos semanas — talvez meses — até termos tudo em ordem.

Por quê?

Por que o Planeta está vivendo esta situação calamitosa de chuvas concentradas alternadas com secas prolongadas?

Bom, há décadas o Planeta vem vivendo mudanças climáticas severas. Os primeiros sinais de alarme surgiram de forma convincente há meio século. No entanto, alguns prenúncios já haviam sido observados na década de 40 do século passado. Portanto, há mais de 80 anos.

De lá para cá, a situação vem se agravando a passos largos. O que os cientistas achavam que poderia levar um século para acontecer já está acontecendo. A temperatura média do Planeta subiu 1,2 C. É muito. E vai pior irremediavelmente se chegar a 2 C.

O que significa isto?

Com o aquecimento cidades como Paraty, Santos, Rio de Janeiro, Vitória e Nova Iorque serão totalmente ou parcialmente inundadas. Em muitas o mar já avançou. Os terrenos mais altos alternarão períodos de secas prolongadas com períodos de chuvas excessivas. A vida desaparecerá de forma cada vez mais acelerada. É o que já está acontecendo com os corais do mundo inteiro: estão morrendo.

Apesar das evidências das mudanças climáticas, ainda há quem duvide. Alguns, porque estão pouco se importando com o futuro do Planeta; outros, porque se confundem com os sinais aparentemente contraditórios que nos chegam. Um exemplo típico é que, em algumas regiões da terra a temperatura está diminuindo. Como isto é possível, se os cientistas estão dizendo que a temperatura está aumentando?

Mas é fácil de entender. O aumento da temperatura está derretendo o gelo nos polos e no alto das montanhas. Os rios e as correntes marinhas levam estas águas frias para longe. Nas regiões onde elas chegam, há um esfriamento. Por isto, nevar no Egito, como aconteceu recentemente, é um péssimo sinal.

O aquecimento pode ser comprovado pelo recuo das geleiras, pelo desaparecimento das geleiras no topo das montanhas, pela chuva que está caindo onde só caia neve, pelo desprendimento de icebergs, pelo encolhimento das calotas polares, pela média das temperaturas medidas nos termômetros.

Como acontece?

O gás dióxido de carbono (CO2) é o principal responsável, seguido pelo metano.

Quando produzidos em pequenas quantidades estes gases são prontamente transformados, absorvidos ou queimados (como acontece com o fogo fátuo, que é a queima espontânea do metano). Mas, quando produzidos em milhões e milhões de toneladas por ano, as plantas e as águas não conseguem absorvê-los. O excesso sobe para a alta atmosfera e bloqueia a saída de calor da terra. É o chamado efeito estufa.

O efeito estufa acontece porque a luz que vem do sol chega até a Terra, mas as ondas de calor em que parte dela se transforma não voltam para o espaço. O CO2 não deixa. É como acontece na estufa: a luz do sol entra pelo teto e aquece o ar, mas ele fica preso e a estufa esquenta.

Acontece que, desde a revolução industrial, a humanidade passou a queimar muitos combustíveis em grande quantidade: lenha, carvão mineral, betume, xisto, turfa, petróleo. Tudo isto gera muito dióxido de carbono.

Segundo estudos recentes, a produção de eletricidade e calor contribuem com 25% do efeito estufa; a agricultura e a produção de madeira, 24%; a indústria, 21%, os transportes, 14%. O restante se distribui entre construção civil e outros.

O metano também é um gás de efeito estufa. O que preocupa é que sua produção vem aumentando muito por causa da criação de porcos, frangos e gado confinados (animais não confinados não geram excedente de metano).

A aceleração

O corte das florestas acelera o efeito estufa. Mas o maior motivo da aceleração é o próprio derretimento do gelo.

O gelo reflete muita luz. Com isto, parte da luz do sol é lançado de volta ao espaço e não se transforma em calor. Mas, o aquecimento derrete o gelo e expõe a terra. Como ela é mais escura, mais luz é transformada em calor. Isto significa que o aquecimento é um processo autoalimentado. Uma vez começado, ele tende a se acelerar cada vez mais.

A água no ar

O calor maior aumenta a quantidade de água que evapora dos rios e dos mares. O ar fica mais carregado e as chuvas ficam mais longas e mais fortes. Mas, como o aquecimento também interfere com os ventos que transportam vapor d’água e nuvens, o clima fica mais irregular. Ora uma região recebe muita chuva, ora fica na seca. É o que já está acontecendo no mundo todo.

Desta forma, o que vimos acontecer em Bom Despacho é um provável efeito do aquecimento global. Nos últimos anos vínhamos tendo secas; agora tivemos muita chuva. É a marca da mudança climática.

Agravantes

Por sí só as chuvas concentradas são um grande problema. Mas, nas cidades — e mesmo no campo — temos um agravante: a impermeabilização do solo. Nas cidades, por causa do asfalto e do cimento; nas áreas rurais, por causa da compactação do solo e eliminação das árvores.

A consequência disto é que a água da chuva corre muito rapidamente, forma enxurradas fortes que logo se tornam enchentes. A destruição aumenta. Para piorar, o solo não retém a água e as minas secam.

Solução

A solução para o problema que a humanidade criou não é fácil, nem rápida, nem indolor. Ela passa pela eliminação da queima de petróleo, pela recuperação de florestas, pelo aumento das áreas de infiltração nas cidades, pelo controle das queimadas, por mudanças na forma de criar porco, frango e gado estabulado. Tecnologia para isto, já temos. Mas não temos a vontade política dos governantes nem o apoio que a população precisa dar às medidas necessárias. Por exemplo, aumento do transporte público em detrimento do transporte pessoal; geração de energia fotovoltaica em vez de usar termelétricas, aumento das áreas verdes nas casas, adoção de novas tecnologias agrícolas adequadas aos trópicos e aos cerrados.

Recuperação

Nos últimos 10 dias Minas teve 24 mortes provocadas pela chuva e 300 cidades estão em situação de emergência. Muitas, em situação bem pior do que Bom Despacho. Isto não nos serve de consolo, mas nos alerta para o tempo que será necessário para consertar tudo. O Governo de Minas não tem recursos para atender a todas as 300 cidades de uma vez. O Governo de Bom Despacho não tem recursos para reparar tudo em poucos dias. Nesta situação, teremos que ter resignação e paciência.

Mas, para evitarmos problemas cada vez maiores no futuro, precisamos agir e torcer para que o aquecimento global não continue se agravando de forma tão acelerada.

Fernando Cabral

Fernando Cabral é licenciado em Ciências Biológicas, advogado, auditor federal e ex-prefeito de Bom Despacho

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