Eleições proporcionais não são o que parecem
Nos últimos dias, acompanhamos os desdobramentos de um processo movido contra a candidatura a vereador em 2020 do ex-prefeito Fernando Cabral. Por decisão do TSE, ele foi afastado, os votos foram recontabilizados e, depois dos “difíceis de compreender” cálculos para eleições proporcionais, Aparecida Adriana Lúcio, a Paré da Caixa, se juntou aos outros 8 vereadores eleitos na apuração de 2020. Saiu o vereador mais votado daquele pleito (e da história de Bom Despacho) e entrou a 4ª mais votada. “Como assim, 4ª mais votada e não havia sido eleita para uma das 9 vagas?” – alguém pode se perguntar. Sim, não havia sido eleita. E não havia nada de errado, era o esperado dentro da nossa legislação eleitoral. O que não quer dizer que a gente tenha que concordar com isso…
No Brasil, as eleições para deputados federais, estaduais e vereadores são apuradas pelo sistema proporcional. Nesse sistema, o resultado é apurado totalizando os votos por partido político. Aquele com mais votos preenche uma vaga, depois o segundo e assim sucessivamente. Sempre que um partido preenche uma vaga, uma quantidade de votos é abatida do seu total de votos e ele volta a entrar na fila com esse novo total. Assim, em tese, um partido pode eleger vários deputados ou vereadores com os votos de um único candidato que seja muuuuuito bem votado. Isso pode gerar “constrangimentos” como o verificado na eleição para deputado federal em 2010, quando Tiririca teve votos “de protesto” suficientes no estado de São Paulo para levar junto com ele mais 3 deputados federais. Vou me abster de comentar o que foram esses 4 mandatos de 4 anos na Câmara Federal.
Mas ficando aqui mesmo em Bom Despacho, temos situações que também merecem uma reflexão. No pleito de 2020, Paré e Doutor Fernando Becker, 4ª e 5º mais votados, não foram eleitos. Nenhum dos dois foi eleito na apuração inicial porque os demais candidatos de seus partidos foram pouco votados. Partidos que, a propósito, poucos devem se recordar quais são, porque pouco ou nada representam para a maioria dos eleitores que escolheram essas pessoas.
Vamos voltar à legislação eleitoral para explorar isso melhor. Vira e mexe, ouve-se falar em reforma política ou eleitoral no país. E um dos temas que invariavelmente vêm à tona – depois, claro, do financiamento de campanha – são as eleições proporcionais. Aí surgem uma miscelânea de sistemas eleitorais, desde o distrital, passando pelo distritão e distrital misto e chegando até o majoritário – em que os mais votados são eleitos, e ponto final.
O sistema proporcional tem um princípio interessante, de valorizar o partido político nas eleições para cargos legislativos. A ideia é que os representantes eleitos para o poder legislativo atuam em bloco, propondo e votando juntos, seja na Câmara de Vereadores, Assembleia Estadual ou Câmara Federal. Há ainda uma pretensa valorização dos princípios, valores e objetivos partidários, entendendo o partido como uma reunião de pessoas que comungam de um conjunto de ideias e visões de mundo. Isso pode até funcionar em alguns países, ou mesmo já ter funcionado no Brasil, mas está longe de ser a realidade atual.
Infelizmente, os partidos políticos se multiplicaram de uma forma preocupante no país. Temos hoje cerca de 30 partidos políticos com representantes no Congresso Nacional. Essa métrica é muito importante em nosso sistema eleitoral porque é a referência para distribuir o fundo partidário, a “famosa” verba destinada pelo governo para que os partidos políticos financiem suas campanhas. Portanto, ter mais deputados significa ter mais verba de campanha. E, num sistema proporcional, se você for um puxador de votos como Tiririca foi naquela eleição, fica tentador ter seu próprio partido político e ser o dono da chave do seu fundo partidário. Assim muitos fizeram, criando e recriando partidos aos montes, sem qualquer preocupação com programa, ideias ou qualquer sintonia entre seus membros. Os partidos têm seus caciques, normalmente políticos com várias eleições no currículo, e procuram atrair para seus quadros outros puxadores de votos. Surgem então alianças com incoerências estarrecedoras.
Olhando de novo para nosso quadro em Bom Despacho, se você já foi candidato ou foi sondado para ser candidato a vereador, deve ter observado fenômeno semelhante. Montar uma boa chapa, de puxadores e puxadoras de votos, se tornou uma parte crucial para se ter sucesso nas eleições municipais. No caso da Câmara de Vereadores, você pode ser popular na cidade e conseguir um partido para “chamar de seu” em Bom Despacho. Terá então o “poder” para selecionar os componentes de sua chapa. Mas, se essa composição não for bem feita – ou for boicotada de alguma forma, seus muitos votos podem ser insuficientes para levá-lo à Câmara Municipal por causa do sistema proporcional. Por outro lado, uma chapa bem montada, com muitas pessoas populares, pode levar o partido a “fazer” alguns vereadores, uma parcela com votação abaixo do que se esperaria para um eleito ou eleita.
Concorda que não é exatamente o que parece? Quais as propostas dos partidos políticos para a Câmara de Vereadores na última eleição em Bom Despacho? Ou ainda, você sabe quais os partidos que preencheram as 9 cadeiras na Câmara? Porque, na prática, os partidos é que foram eleitos – embora a esmagadora maioria de nós tenha votado nas pessoas que se candidataram.
Esconder-se atrás das origens dos partidos políticos para justificar um sistema proporcional com os nossos mais de 30 partidos políticos é uma dissimulação que custa caro. Nas eleições, além de aumentar muito os gastos, faz com que muitos cidadãos desperdicem seus votos. Alguns porque seus escolhidos podem até ter boa votação, mas, se não têm uma boa legenda, não entram. Outros porque ajudam a eleger legisladores que nada têm a ver com o que acreditam, simplesmente porque estavam no mesmo partido da pessoa em que votaram. Duas hipóteses comuns, fáceis de acontecer.
Nada ilegal – é o que está na lei e o que pretendiam aqueles que a escreveram. Mas respeita a vontade popular?