Parabéns, Bom Despacho e bom-despachenses!

No dia primeiro de junho a cidade de Bom Despacho completa mais um aniversário, o centésimo nono de sua história. Conheço e frequento Bom Despacho há 3,7% de seu tempo de vida, ou há quase quatro anos. No início de minha relação com a cidade, não posso negar, tudo era muito estranho. No mínimo, muito diferente de minha cidade natal, São Paulo. Com o tempo, algumas coisas viram normais para mim, outras ainda me causam algum estranhamento e poucos comportamentos eu não consigo me adaptar.

Gostaria de dividir com o raro leitor e a rara leitora esses três grupos.

1 – Coisas que tornaram-se normais para mim

O trânsito passou a ser uma parte de meu dia que já não presto tanta atenção. No início, eu ficava abismado com o respeito total dos motoristas aos pedestres nas faixas de segurança e a gentileza dos motoristas com os outros condutores que estavam nas rotatórias da cidade. Aliás, este tema foi o que primeiro abordei em meu artigo inicial para este jornal. Acostumado com a selvageria dos paulistanos no trânsito, foi um choque de bons modos que vi em Bom Despacho. Hoje, ando muito a pé ou dirigindo pela cidade e me acostumei com a maneira educada do povo bom-despachense.

Também não me incomoda mais tanto a falta de calçadas (passeio, como se diz por estas plagas) em boa parte da cidade. Acostumei-me a andar pelo meio da rua e nem fico mais horrorizado com tamanho descaso do poder público e dos donos das casas que não cuidam de seus passeios ou deixam o mato tomar conta deles.

Acostumei-me com a quantidade de cachorros vivendo na rua. No começo, me cortava o coração ver tantos animais abandonados. Hoje, o máximo que faço é guardar restos de comida que sobram quando vou a algum restaurante na cidade e procurar um cão na rua para dar estas sobras. Hoje, minha namorada bom-despachense comeu um feijão tropeiro em um restaurante e, tentando não consumir carne, separou todos os pedaços de bacon e carnes. Ao final, procuramos um animal perto da estação rodoviária e deixamos um faminto bicho feliz com uma mão cheia de guloseimas.

Frases que antes me causavam riso e que são comuns em Bom Despacho, hoje passam desapercebidas. Entre elas: “depois cê volta mais”, “tá bom demais da conta”, “nuuuu”, “ói pru cê vê”, “o ons invem” ou “trem” usado para todos os objetos imagináveis ou inimagináveis. Tudo virou lugar comum e não me espantam mais.

2 – Coisas que ainda me causam algum estranhamento

Usar a buzina do carro para cumprimentar todos os conhecidos na rua, estando eles a pé ou de carro, já não me causa tanto estranhamento. No começo de minhas vindas para Bom Despacho, achava essa atitude irritante e grosseira, mas estou me acostumando a isso. Não buzino para ninguém, mas já não reclamo tanto quando minha namorada bom-despachense buzina para um conhecido, para seus pais ou para uma amiga.

Acostumado que estou com as longas distâncias em São Paulo, sempre achei os caminhos entre a casa de minha namorada bom-despachense e todos os lugares que frequento bem curtos. Por isso, faço tudo ou quase tudo a pé. Caminho todos os dias 2,5 quilómetros para ir à academia, ando 2 quilómetros para jogar na loteria, caminho entre 1 e 4 quilómetros para ir ao mercado, enfim, faço tudo caminhando e acho bom, pois gosto de andar e acho que tudo é rápido a pé. No começo estranhava que vizinhos de minha namorada esperassem por uma lotação, às vezes por longos períodos, para ir até a Praça da Matriz. “Por que não andam até lá?”, pensava Hoje, esse hábito de ter de ir de ônibus para os lugares ainda me incomoda, mas pouco. Ainda não usei o transporte coletivo na cidade, mas estou me acostumando tão rápido à ideia, que logo-logo até tentarei uma experiência.

Ter de pegar uma rodovia todos os dias ou quase, pois o sítio de meus sogros fica nos Cristais, me incomodava muito. Em São Paulo, usa-se uma estrada somente para viajar, sair de férias ou em alguma ocasião especial. Em Bom Despacho, pelo tamanho da cidade, dirigir em uma rodovia como a BR-262, MG-164 ou BR-040 é muito comum. Atualmente, por causa da pandemia da covid-19 e para não ter de correr na Avenida Doutor Roberto Queiroz, que sempre tem muita gente, dirijo todos os dias até uma mata fechada na região dos Cristais, ou seja, ando por uns 16 quilómetros, ida e volta, na rodovia. É verdade que, algumas vezes, faço o trajeto inteiro ou parte dele correndo, mas na maioria das vezes, dirijo até lá. E isso já não me incomoda tanto.

3 – Coisas com que não consigo me acostumar (por enquanto)

Quase todos os dias, caminhando pela cidade, muitas das vezes em companhia de minha namorada bom-despachense, acabamos cruzando com pessoas nas ruas. Acontece algumas vezes de minha namorada comentar algo sobre a pessoa, a roupa ou algum caso sobre a pessoa com a qual acabamos de passar perto. Quando ela faz o comentário, pergunto sobre quem está falando. A resposta, quase sempre, é “sobre essa pessoa que acabou de passar por nós” e minha resposta é, quase sempre, “não reparei que passamos por uma pessoa”. Não é por distração, mas porque em São Paulo somos treinados desde crianças a não olhar para as pessoas, que isso é feio etc. Então, como bom paulistano que sou, jamais olho para alguém na rua. Não consigo mudar isso, pois é algo que está muito enraizado em minha maneira de agir. Sei que muitos pensam que sou mal educado, pois não cumprimento as pessoas nas ruas, mas é apenas por força do hábito.

A mesma coisa acontece com os carros. Minha namorada olha para todos os motoristas que passam por nós, estando ela de carro, a pé ou de bicicleta. Eu, pelo mesmo motivo que não olho para uma pessoa, não olho para quem está dirigindo o carro. Em São Paulo, consideramos muito feio e agressivo ficar olhando fixamente para um motorista. Se você encarar um motorista em São Paulo, poderá escutar algo como “tá olhando o quê?” ou “está procurando homem?” ou alguma outra grosseria.

Entendo que em Bom Despacho a norma é outra e as pessoas acham natural que você as encare enquanto dirigem, até para cumprimentá-las, caso as conheça. Mas, não consigo agir assim. Muitas pessoas buzinam para mim na rua, para cumprimentar, e eu nunca respondo, pois olhar quando buzinam não faz muito sentido para um paulistano, pois há muito som de buzina na cidade e é quase impossível que seja um amigo te cumprimentando, dado que são vinte milhões de habitantes e ninguém conhece ninguém em uma cidade tão grande.

O cheiro de Bom Despacho, o cheiro que coisa queimando, me incomoda profundamente. Vejo as pessoas ateando fogo a seus lixos domiciliares, no capim na beira da estrada, em plantações recém-colhidas, enfim, há fogueira para todos os lados e o cheiro me dá profunda tristeza. Como corro, ando e pedalo muito pela cidade, o cheiro da fumaça parece que me persegue. Uma pena!

Ainda não me acostumei com a resposta “viu” para a pergunta “viu?”. Sempre me soa bem estranho alguém dizer “viu” para si mesma. Mas, como escrevi recentemente sobre isso, não me alongarei neste momento.

Por fim, mas não menos importante, não consigo me acostumar com a beleza das paisagens bom-despachenses, suas estradas de terra, a natureza que cerca a cidade, os macacos que vejo e escuto em minhas corridas diárias na mata fechada, os pássaros, as cobras que ocasionalmente passam pelo caminho, os quatis, tamanduás, as borboletas de todas as cores, os veados que apareceram duas vezes enquanto corríamos, o céu estrelado que vejo com frequência e que nunca vi em minha cidade natal. Com alguma frequência eu e minha namorada bom-despachense nos deitamos no quintal de sua casa, só para ver as estrelas, enquanto tomamos um vinho. É sempre um prazer diferente. Espero nunca me acostumar a essas belezas, pois o estranhamento me faz olhar para cada detalhe sempre como se fosse a primeira vez.

Parabéns, Bom Despacho e povo bom-despachense! E obrigado por me aguentarem nestes quase quatro anos.

Alexandre Magalhães

Alexandre Sanches Magalhães é empresário, consultor e professor de marketing, mestre e doutor pela USP e apaixonado por SP e BD

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