Na pandemia é preciso ter mais empatia

Salomão é um personagem bíblico citado com frequência. Assumindo o trono de Israel muito jovem, pediu a Deus “sabedoria e conhecimento” para governar seu povo. “Em vez de pedir riquezas, bens, ou honras, ou a morte dos seus inimigos, ou vida longa”, Salomão pediu sabedoria para governar seu povo. Surpreso e, eu diria, “orgulhoso” da atitude do rei que escolhera, Deus lhe deu sabedoria e muito mais.

Salomão é, para mim, a visão bíblica do que deveria ser o grande gestor público. Uma passagem muito popular é aquela em que duas mães o procuram alegando serem a mãe de uma criança. Explicando melhor, as duas residiam em uma mesma casa e tinham, cada uma, seu filho. Uma das crianças morreu. Daí, as duas passaram a alegar que a criança que restara era sua verdadeira filha. Sem uma solução, levaram a disputa ao Rei Salomão. Como não conseguiam um consenso, o rei propôs uma solução: dividir a criança ao meio e dar metade a cada uma delas. Prontamente, uma delas abriu mão da disputa e disse que a criança podia ficar com a outra, viva. E Salomão descobriu então quem era a verdadeira mãe e deu a ela a criança.

Salomão tem muito a ensinar aos nossos gestores públicos. Pensar que podia ter tudo o que quisesse e pediu sabedoria para governar, hein?!… Mas tem muito para nos ensinar como sociedade também. Nossa sociedade tem julgado e condenado com velocidade e crueldade cada vez maiores. A despeito dos erros que cometeram, me impressionou, por exemplo, a velocidade com que um participante inconveniente do atual BBB, que começara como vilão numa semana, se tornou vítima e queridinho do país na outra, levando a inimigos mortais da sociedade aqueles que o detrataram no jogo. Fiquei impressionado com os mais de 200 milhões de votos com mais de 99% das pessoas escolhendo uma única eliminada, acompanhados de ameaças e discursos inúmeros de ódio e perseguição. Pedras demais, gente, rejeição demais, e muito rápido.

Impressionou-me também um vídeo com o prefeito de Patos de Minas que circulou pelas redes e foi veiculada nas emissoras de TV há alguns dias. Na porta da prefeitura, ele se explicava para algumas pessoas que se manifestavam contra o fechamento do comércio na cidade. Ou tentava. Ele tentava mostrar os números alarmantes de doentes, internados e mortos, tentava mostrar que já tomara outras medidas, como a ampliação do número de leitos de UTI, mas que a situação continuava descontrolada. Do outro lado, os manifestantes falavam das dificuldades financeiras pelas quais o comércio estava passando, das demissões e dos possíveis fechamentos de empresas. Gritos de parte a parte, o prefeito então, num surto de raiva, atira os relatórios que carregava no chão, cita os 300 casos em 15 dias na cidade, e vai embora.

Quem estava certo? Os comerciários tinham razão em reclamar, precisam trabalhar para faturar e sobreviver. Quem em sã consciência vai condenar um pai ou mãe de família que quer garantir o sustento para sua família? Mas o prefeito também tinha sua razão, tentando evitar um aumento no número de mortes no município, cuja gestão é sua responsabilidade, concedida por eleições recentes, em que ele se candidatou livremente e os cidadãos do município o elegeram também livremente. Independente disso, assim que citei o episódio, a maioria de vocês já formulou um juízo e condenou a atitude de uma das partes como se não lhe coubesse nenhuma razão. Momento complicado o que vivemos, não?

Nesta semana, Bom Despacho aderiu à Onda Roxa do programa Minas Consciente. Atendendo a uma determinação do governador do estado, é verdade, mas aderimos. Pesam sobre as cabeças do presidente da República, do governador de Minas e do prefeito da cidade as espadas de milhares de bom-despachenses. Cada um já tem seus favoritos e seus odiados, já escolheu um argumento para defender sua posição e não ouve mais nada do que dizem os outros. Mas e aí? Tudo bem que morram mais bom-despachenses? Tudo bem que fiquem desempregados – ou até passem fome – mais bom-despachenses? Não tem solução fácil neste momento, infelizmente.

Para ilustrar um pouco mais, um exemplo local e mais pontual. O pároco da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Bom Despacho informou na 5ª feira pela manhã que o decreto da prefeitura que regulamentava a Onda Roxa no município permitia a celebração de missas, mantidos os cuidados que já vinham sendo tomados. Comunicou isso aos paroquianos com alegria, pois sabia da importância para vários moradores de frequentar a missa semanal, ou mesmo diariamente – como faz meu pai inclusive. Na tarde da mesma 5ª feira, o pároco divulgou novo comunicado, informando que, em acordo com a diocese, as celebrações seriam suspensas para evitar que fossem meios para a disseminação do vírus. Decisão difícil e bem embasada tinha tomado nosso pároco, pensando na sua comunidade católica. Decisão difícil e bem embasada tomou o bispo, olhando a questão sob outra perspectiva, mas também pensando nas pessoas da diocese. Meu pai sentirá, claro, falta das missas. E também estará, claro, menos exposto ao vírus.

O que proponho a todos é que exercitemos um pouco de empatia com os nossos dirigentes. Empatia é colocar-se no lugar de alguém, como se fôssemos aquela pessoa. Sintam que eles são humanos também e que passam por conflitos internos como nós. Claro que não precisamos concordar com eles e que devemos nos manifestar. Levar nossas discordâncias pode aperfeiçoar suas decisões para nossa comunidade. Mas contribuir é muito diferente de agredir. Contribuir agrega.

Que Salomão nos inspire com sabedoria e temperança! Somos humanos, estamos todos sujeitos ao erro, mas nossa humanidade tem que ser maior do que isso. Ansiedade, medo e rancor são humanos sim. Mas temperança, coragem, solidariedade e amor também são, e são maiores. Que eles nos unam mais que os primeiros.

Paulo Henrique Alves Araújo

Paulo Henrique Alves Araújo é gestor e servidor público, mestre em computação e gerente de projetos de inovação

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