O preço das coisas e a mandioca não cobrada em BD

ALEXANDRE MAGALHÃES – “Preço é o que você paga. Valor é o que você leva para casa”. Esta frase é atribuída a várias pessoas, entre elas ao homem mais rico do mundo (depende da lista, ele é o segundo ou terceiro, e depende do ano da lista) Warren Buffet. Esse homem é dono de um fundo de investimentos que administra centenas de bilhões de dólares mundo afora, além de ser sócio de grandes empresas, como a Kraft Foods (dona do Sonho de Valsa, Lacta, Clube Social, entre outras milhares de marcas, por exemplo).

Já mencionei várias vezes nesse espaço um trecho de um de meus filmes preferidos, “Derzu Uzala”, do cineasta japonês Akira Kurosawa. O filme conta a história de um montanhês (morador da montanha) da Mongólia, país que fica entre os gigantes Rússia e China. Um tipo muito especializado em viver nas montanhas, entender como cada animal age, saber caçar, pescar, entender os ciclos da natureza, enfim, um montanhês. A cena que sempre repito neste espaço mostra Derzu (que é um personagem que existiu mesmo) já quase cego, muito idoso, que não consegue mais caçar e viver sozinho. Um general do exército russo, que já o encontrou muitas vezes nas montanhas, enquanto mapeia a área, fica penalizado de sua situação e leva Derzu para viver na cidade onde mora com sua família. A adaptação é difícil, pois Derzu viveu toda a vida ao ar livre e agora está em um quartinho fechado. Um vendedor de água passa na rua, com seu carro puxado a bois, anunciando água. Derzu, acostumado a ter água gratuita e limpa nas montanhas da Mongólia, fica indignado e parte para cima do vendedor com sua espingarda, ameaçando-o, dizendo que água está na natureza e que não se pode cobrar por ela. A esposa do general russo o segura e, a muito custo, dirime a ideia de matar o vendedor de água.

Mandioca grátis

Nasci e vivi quase toda minha vida, meus cinquenta e quatro anos, em São Paulo. Minha cidade é a maior cidade da América do Sul, tem o maior PIB – Produto Interno Bruto entre as cidades brasileiras, e seu PIB é maior que o da maioria dos estados da nação. É portanto, para os padrões dos países subdesenvolvidos, uma cidade rica. Nela, cobra-se por tudo. Nada é gratuito. Nada.

Há alguns anos, o ministério público obrigou as baladas a oferecerem água gratuitamente para as pessoas que frequentavam as festas. Não água de garrafinha. Água da torneira, um bebedouro. Uma água em uma balada chic em São Paulo custa R$ 50,00, preço similar a uma latinha minúscula de refrigerante. Um jovem morreu de sede na balada e isso fez com que o MP obrigasse as casas noturnas a oferecerem água gratuitamente. E foi uma briga na justiça. Mas, ao final, a água é oferecida gratuitamente em um único bebedouro. Claro, o rapaz morreu seco porque consumiu “extase” ou alguma dessas drogas que metabolizam rapidamente a água do corpo, fazendo com que a pessoa sinta uma sede gigantesca. Mas, esse é um outro problema…

Quando comecei a frequentar Bom Despacho, há três anos de meio, eu não era vegano, ou seja, comia de tudo e nunca havia percebido que há um item no cardápio bom-despachense que nunca é cobrado: a porção de mandioca.

Há nove meses, aproximadamente, virei vegano e parei de consumir qualquer tipo de carne, leite, queijos, ovos, mel e qualquer coisa que tenha origem animal. Portanto, minhas idas aos bares de Bom Despacho sempre envolvem um certo planejamento ou, no mínimo, uma análise para saber se haverá algum tipo de comida que se encaixe em meu novo perfil.

Um dos primeiros bares que fui, já como vegano, foi o KiMassa. Pedi uma porção de mandioca cozida. Estava uma delícia. Quando me preparava para pedir a segunda porção, minha namorada bom-despachense segurou meu braço e implorou para que eu não repetisse o pedido. “Por quê?”, perguntei espantado. “Eles não cobram a porção de mandioca e eu fico com vergonha de pedir esse item”. Quando a conta chegou, reparei que não haviam cobrado a porção. Insisti com o garçom para que cobrasse a guloseima. Nada.

Essa não cobrança se repete em todos os bares e restaurantes que frequento: Churrasco do Fabinho, churrasco do Roberto, Bar do Ernane, o KiMassa, entre outros. Sempre insisto para cobrarem e a resposta é sempre a mesma: “não cobramos a porção de mandioca”. Por quê? De onde vem essa tradição bom-despachense?

Segundo minha namorada, a mandioca é um produto fácil de encontrar nas roças, custa quase nada para o restaurante e boa parte dos donos dos estabelecimentos, servem o produto de suas próprias roças. Por isso, não cobram. Outro dia perguntei a ela: “se o dono do restaurante criar bois, o churrasco será gratuito?”. Fiquei sem resposta.

Cada cidade tem seus hábitos, suas tradições, suas maneiras de lidar com suas clientelas. Não cobrar pela porção de mandioca faz com que eu não peça o produto. Ou, não repita o pedido, por pura vergonha. Entendo que é uma tradição, mas que tenha um preço simbólico.

No meu caso, que não como os produtos “com preço”, como carnes, omeletes, macarrões em geral, a porção de mandioca, é uma das poucas coisas que me sobra para acompanhar uma cerveja ou vinho em companhia da namorada ou dos amigos.

Ficaria mais feliz se me cobrassem, mesmo que um preço apenas simbólico. Afinal, cada coisa tem seu preço e, como diria Warren Buffet, seu valor. Para um vegano, uma porção de mandioca pode ter um precinho, mas tem um grande valor…

Alexandre Magalhães

Alexandre Sanches Magalhães é empresário, consultor e professor de marketing, mestre e doutor pela USP e apaixonado por SP e BD

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