Hospital Dr. Miguel foi um marco na história da Medicina em BD

TADEU ARAÚJO TEIXEIRA – O Hospital Dr. Miguel, que agora fecha definitivamente suas portas, será para sempre um memorial da medicina bom-despachense.

Seu nome está ligado diretamente ao engenheiro, empresário e político Paulo Gontijo, a um grande bom-despachense de saudosa memória, único conterrâneo nosso que foi candidato a Presidente da República.

Ele foi o criador desse hospital. Em 1968, o jovem engenheiro e empresário, morador em Brasília, dono de uma apreciável fortuna, veio à terra natal a fim de prestar uma homenagem a seu padrinho de batismo: o já falecido Dr. Miguel Gontijo.

Paulo procurou a Prefeitura e a Câmara para providenciar os trâmites legais da construção de seu empreendimento. Um hospital: o hospital Dr. Miguel Gontijo. Homenagem ao nome de seu admirado padrinho, vulto sagrado da medicina e da política municipal.

Dr. Paulo já havia adquirido um terreno de mais de 3.000m2 de área ao lado da casa paroquial. Um imóvel dos primórdios de nossa história. Antigamente, dizem, residência do Coronel Tininho, “fundador do município”, primeiro Presidente da Câmara, em 1912. Ao ser eleito para esse cargo, acumulava as funções de prefeito, cargo que não existia na Velha República (1889 a 1930).

Mais tarde o terreno foi vendido ao futuro prefeito Faustino Teixeira (1926 a 1930). Ele era sobrinho de Coronel Tininho. Nos anos trinta ele mudou-se para Juiz de Fora. Então Faustino Teixeira Filho, filho do prefeito Faustino Teixeira, tornou-se proprietário do local. Do lote e de uma farmácia (do tempo em que Pharmácia se escrevia com PH).

Havia lá também uma residência enorme, onde Faustino Filho viveu com sua família até a década de 60. A velha morada, alugada para o dentista Dr. João Rabelo, tornou-se uma pensão gerenciada pela irmã do Dr. João.

Nos fins dos anos 60, o farmacêutico Faustininho Filho vendeu sua propriedade para Paulo Gontijo e transferiu-se para Belo Horizonte.

Voltando ao assunto do Hospital Dr. Miguel, sua constituição e criação necessitavam de aprovação da Prefeitura Municipal. Um impasse foi criado: O prefeito vetou a realização da obra na Praça da Matriz entendendo que ali não era o espaço mais apropriado para a obra.

Tivemos, os vereadores, uma reunião com o Dr. Paulo Gontijo. Nossa argumentação a favor do veto do prefeito esbarrou na decisão final de Paulo Gontijo: “Ou eu construo o Hospital ali ou não o construo em Bom Despacho.”

Ante a perspectiva de perdermos tamanha conquista para a medicina da cidade, tivemos a votação do veto do Prefeito. Lembro-me que o Jacinto Guerra e eu fomos pelo exposto no veto, e outros 9 derrubaram a decisão do poder executivo.

Então “habemus” hospital na Praça da Matriz.

E assim se fez. Em pouco tempo, numa bela e moderna estrutura predial, instalou-se aquela casa de saúde com aparelhagem moderna e completa para o longínquo ano de 1969. Bom Despacho tinha então 6 médicos: Dr. Gê e Dr. Juca, os mais antigos. Doutores José Mesquita e sua esposa Geralda Batistuta de Mesquita, Roberto Queiroz e Genésio.

O hospital, gerenciado pelo proprietário da empresa, esse convidou os quatro últimos: Mesquita, Genésio, Roberto e Geralda para passarem a atuar dentro do hospital.

Dr. Juca e Dr. Gê não toparam participar.

 

Mudança de donos

Decorrido outro pedaço de tempo, o dono do hospital veio à cidade. Reuniu-se com os 4 médicos. Revelou-lhes que não pretendia mais dirigir o hospital. E fez-lhes uma proposta: ele lhos vendia, de modo a que pagassem toda o estabelecimento hospitalar e o terreno, por uma quantia e um método de pagamento que não os apertassem. Os 4 jovens médicos acolheram a proposta e compraram o hospital.

E de 1969, até 2014, por 45 anos, nosso município teve a dita e o orgulho de ter mais uma casa de saúde. Junto com a Santa Casa transformaram Bom Despacho num grande centro de saúde de toda a região.

 

Dificuldades

Adiante, Dr. Genésio aposentou-se e saiu. Em 99, morreu Dr. Roberto. Seis anos depois, Drª Geralda também foi chamada por Deus.

Sozinho e responsável por duas fazendas e por dirigir todo o hospital de 1999 a 2014, doutor Mesquita, embora gozando de boa saúde, não deu conta mais. Convidou cerca de 8 médicos locais e lhes propôs assumirem o Dr. Miguel, mas a negociação não foi concluída.

O prefeito Cabral apareceu com uma solução. A prefeitura alugou o imóvel para acomodar repartições de saúde pública.

Mas depois de 5 anos, esse contrato de aluguel foi cancelado. Com o hospital fechado, por dois anos com despesas ainda correndo, com o IPTU, que chegou a 30 mil reais, acumulando prejuízos, Dr. Mesquita com sua sócia dona Adail, viúva do Dr. Roberto, recebem uma proposta, através do Pezinho do Calais, para alugar o terreno por dez anos, renováveis por outros mais, para uma empresa paulista do ramo de farmácias.

 

O fim

Negócio fechado, muitos bom-despachenses, como eu que vi ali nascerem meus três filhos, sentimos com dor no coração uma máquina colossal derrubar todo o prédio de 1969. Foi-se o prédio, a argamassa, os tijolos, os ferros retorcidos, mas não a saudade, e a gratidão por milhares benefícios de saúde recebidos nesse patrimônio imortal para a população e a cidade de Bom Despacho e região.

 

Dr. José Cardoso de Mesquita

Estive com o Dr. José Mesquita, o último dos 4 mosqueteiros do Miguel Gontijo, no início desta semana, para uma entrevista com ele e sua eterna e competente secretária, Marlene do Berto Domingos. E aparteado por ela, o médico me contou comovido sua história de vida e do hospital. Aquele jovem médico de 28 anos, que veio para Bom Despacho em 1964 com a jovem esposa, Dra. Geralda. O menino de 11 anos, de Moema, que veio para Bom Despacho fazer o 4º ano de grupo, porque lá só tinha até o 3º. E perseguindo seu sonho dourado e longínquo de ser médico, mudou-se para Formiga com 12 anos. Ali fez o ginásio. Já o Científico (2º Grau, não havia em Formiga). Então com garra para efetivar seu sonho, buscou Belo Horizonte, onde fez o Científico. E finalmente, a terra do Zebu, Uberaba, onde há pouco se instalara aquela que foi somente a 4ª Universidade de Medicina do Brasil. Lá conheceu a jovem Geralda. Depois da formatura ele foi aperfeiçoar seus estudos em São Paulo. Ela para o Rio de Janeiro, para finalmente se encontrarem em Bom Despacho. Casaram-se. Tiveram 4 filhos, dois dos quais médicos como seus pais.

Geralda de Uberaba. Mesquita de Moema… para serem médicos, professores (ambos foram meus professores no 2º grau no Colégio Miguel Gontijo), fazendeiros, e ele um grande prefeito da cidade, escreverem na terra da Biquinha, uma história bonita, mais bonita até que a história de Robson Crusoé, como lhes diria Carlos Drummond de Andrade.

Tadeu Araújo

Tadeu Araújo Teixeira é professor, escritor, colunista e membro da ABDL

One thought on “Hospital Dr. Miguel foi um marco na história da Medicina em BD

  • 16 de fevereiro de 2022 em 06:03
    Permalink

    Prezado amigo Tadeu Araujo, li com muito interesse e emoção tuas belas palavras ao contar a historia de nosso Hospital, orgulho de nossa Bom Despacho que tanto serviu aos nossos conterrâneos.

    Daqui da França onde resido faz 35 anos acompanho a historia da nossa Bom Despacho com interesse e carinho ao ver minha pequena cidade do interior se tornar grande e ver nascer edifícios enormes rodeando a Matriz de que tanto nos orgulhamos.

    Saudades da Biquinha, do Cine Regina, da Irma Maria da avenida das Palmeiras ( parece que nao temos mais palmeiras) do Clube Social onde com Tia Roxa eu ajudava a fazer as decorações de carnaval.

    Desde 2012 nao estive no Brasil , provavelmente ficarei surpreso quando retornar ao encontrar nossa Bom Despacho de hoje. Grande abraço pra voces todos.

    Antonio Cançado de Araujo

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