Mata do Batalhão: palco de vida e de muitas histórias
ROBERTA GONTIJO ARAÚJO TEIXEIRA – A história da Mata do Batalhão mistura-se com a desta cidade que tanto amamos e vem lotada da mais variada sorte de narrativas. Essas narrativas, dependendo da circunstância e/ou do narrador, apresentam a Mata ora como um lugar divertido, ora útil, ora aconchegante e ora assustador. Um local com arvoredos seculares, flores lindas, arvores frutíferas, nascentes d’água e muitas espécies de pássaros, insetos, animais peçonhentos e bichos de pequeno e médio porte.
O caminho percorrido pela Mata e seus habitantes desenrola-se entrelaçando água, bicho, planta, gente, lazer, trabalho, descobertas e emaranha-se completamente na trajetória da Polícia Militar em nossa cidade.
A Mata, afinal, foi e ainda é palco de vivência de militares das mais diversas patentes, juntamente com suas famílias e de toda uma população civil que usufrui do lugar, cada um à sua maneira: extraindo água, aproveitando momentos de lazer, desempenhando trabalho, tirando subsistência, permitindo-se um contanto direto e estreito com a natureza ou mesmo depredando, de alguma forma, as espécies da fauna e flora ali existentes. Suas nascentes forneceram água não apenas ao Batalhão e seus soldados, mas, por vezes, à cidade toda. As colheitas de sua bela e farta horta, hoje desativada, já complementaram a mesa de muitos militares e de jantares servidos no rancho. Suas árvores não apenas ajudam Bom Despacho a respirar melhor, elas também abrigam a história de muita gente que por ali passou e/ou até morou.
As inúmeras destinações e descrições dadas ao nosso precioso espaço não têm fim.
A Mata já teve em seu interior um criatório de peixes, foi sede de uma olaria que auxiliou muitas construções e reformas dentro do quartel da PM e abrigou uma piscina pública para os moradores daqui que, até certa altura da história da cidade, não tinham um clube para frequentar. Conta, ainda hoje, com muitos espaços utilizados para piqueniques, brincadeiras, partidas de futebol (no campinho ou na Arena Famorine), trilhas de corridas, bicicletas, caminhadas e também é a fornecedora da água utilizada pelo quartel da PM que fica dentro da Vila Militar.
Isso sem falar, é claro, nas inúmeras edificações e destinações que ela teve e tem: foi sede da Companhia Florestal, local de treinamento da Companhia de Choque e, desde longos anos, atendendo à finalidade inicial para a qual foi adquirida, é local onde ainda funciona o estande de tiro da PM em Bom Despacho.
Há, também, utilização direta pela população de dois espaços cedidos através de comodato, respectivamente em 1992 e 1996: ao Município para funcionamento da garagem municipal, na avenida Martinho Campos, bairro Esplanada, e ao time de Futebol Famorine, no bairro de Fátima, onde situa-se a Arena Famorine.
Houve um período em que nosso “pulmão bom-despachense”, se me permitem chamar assim, quase foi pro beleléu. No ano 2000, decidiram lotear a Mata para construção de casas. Chegou a ser feita, inclusive, uma autorização de doação do terreno todo para a AFAS-7, por meio de lei assinada pelo então governador Itamar Franco. Ruas foram abertas no local, causando grande erosão onde estamos fazendo hoje a maior parte dos reflorestamentos. Bom, pra nossa sorte e, com a ajuda de algum anjo curupira protetor das Matas, a AFAS-7 foi extinta e, segundo me explicou meu amigo e assessor jurídico da PM à época, Haroldo Celso de Assunção, como a AFAS-7 foi extinta e a lei autorizava a doação especificamente a ela, nossa floresta foi salva, pois a lei tornou-se inócua. Bendita extinção da AFAS-7!
Nem só de anjos curupiras viveu a Mata. Muitas pessoas, grupos e alguns comandantes da PM – que não vou correr o risco de citar nomes para não ser injusta e esquecer alguém de fora – travaram e travam constantemente uma luta em prol desse espaço. Destaco apenas o coronel José Luiz Nunes de Oliveira que, enquanto comandante do 7º Batalhão, despendeu muitos esforços na tentativa de transformar a Mata num parque. Hoje, ele coordena o grupo S.O.S Mata do Batalhão, replantando e zelando pela sua preservação.
Excursões de infância
A história da Mata mistura-se também com a minha. Meu pai, professor, adepto de atividades físicas, apaixonado pela natureza, conhecedor e contador de histórias e amante de uma aventura, até os 76 anos foi acometido por uma síndrome do pânico que o impediu de viajar e experienciar as belezas desse mundo. Isto limitou nossas aventuras a esta cidade, ao menos as aventuras com ele.
Assim, como não era possível para ele viajar conosco e nos mostrar o mundo lá fora, ele acordava pela manhã e muitas vezes nos dizia (a mim e a meus irmãos Bruno e Tadeu): vamos fazer uma excursão no buracão e na Mata? … e lá íamos nós respirar ar puro, caminhar por horas com o pai dentro da Mata procurando o macacão que vivia por lá e era sempre um susto e uma alegria encontrá-lo; ouvir história sobre plantas, desviar de galhos, cuidar para não pisar nas cobras, fazer barraginhas nas águas, embolar nas muitas teias de aranha no caminho, construir alçapões, que naquela época eram comuns e ouvir descrições de espécies de plantas e bichos que aprendemos a amar e conhecer através dos olhos dele.
Ah… se a nossa Mata falasse, ela apontaria não só as lindezas e histórias ali vividas, mas denunciaria invasões de terreno, construções sufocando, ainda que em parte, seus cursos d’água e mostraria desmatamentos, descarte de entulhos, queimadas intencionais e espontâneas e pediria que cuidássemos melhor dela e protegêssemos sua história, seus bichos, suas nascentes, suas lindas e frondosas árvores e suas belas flores.
Não há mais como retomar os espaços invadidos, mas ainda é possível recuperar as erosões e os locais das queimadas, evitar os descartes de lixo e cuidar dos bichos, das plantas e das nascentes.
Então, essa é a finalidade: dar voz à Mata. Resgatar fatos para que com muito amor, eu e meu pai possamos registrar num livro sua história e a de seus personagens. Na verdade, esta história deverá ser contada por muitas bocas e mãos, pois será elaborada por meio de pesquisas em documentos e narrativas dos que se dispuserem e quiserem colaborar com descrições e fotos.
Que essas histórias possam servir de registros para gerações futuras e que todos possam aprender a amar e ajudar a cuidar desse precioso patrimônio que a nossa Bom Despacho tem.
Roberta Gontijo Araújo Teixeira é bacharel em Direito, servidora pública e ambientalista