As vacinas contra a Covid-19 são poucas. E agora, como fazer?
FERNANDO CABRAL – O Governo Federal demorou muito a acordar para a necessidade da vacinação em massa contra a COVID-19. O despertar só veio quando grande número de países desenvolvidos já havia feito contratos bilionários com os maiores produtores que prometiam ter a vacina até o final de 2020. Esta demora acarretou um atraso grande na disponibilidade da vacina para nossa população. Para complicar, temos tido também sérios problemas de logística. A vacina não está chegando onde deveria chegar com a celeridade que precisava. Tanto que já conseguimos 9,5 milhões de doses, mas no primeiro mês só conseguimos aplicar a metade.
Para proteger completamente sua população o Brasil precisa de 430 milhões de doses de vacina. No entanto, dificilmente chegaremos a este número mesmo em um ano. Por isto as autoridades de saúde têm que adotar estratégias que multipliquem a efetividade do pouco que há.
Há três formas principais de fazer isto:
- a) proteger os mais vulneráveis e os que estão sob maior risco
- b) neutralizar os superespalhadores
- c) maximizar o efeito conhecido como imunidade de rebanho.
Mais Vulneráveis
São mais vulneráveis os idosos e os sedentários que sofrem de doenças como diabetes, obesidade, desnutrição crônica. No caso dos idosos, é comum que acumulem vários destes riscos. Por isto a situação deles preocupa mais.
O alto grau de letalidade que a covid-19 atinge entre os idosos recomenda que tenham prioridade elevada na vacinação.
Maior risco
Como a doença é contagiosa, sofrem maior risco de contraí-la aqueles que estão em contato com doentes. É o caso dos técnicos de enfermagem, enfermeiros e médicos que estão na linha de frente do atendimento aos que estão com COVID-19. No entanto, não são só eles. Temos que incluir aí o pessoal da limpeza e outros auxiliares diversos que também lidam com objetos contaminados.
Saindo da área de saúde, encontramos muitos profissionais com risco aumentando. É o caso dos motoristas de coletivos, taxistas e caixas. Todos eles correm mais risco do que a dona de casa, do que quem trabalha em escritórios individuais, do que o trabalhador rural ou do trabalhador da construção civil.
Superespalhadores
São superespalhadoras as pessoas que entram em contato com muita gente. Mais ainda aqueles que têm alta mobilidade. São exemplos os próprios médicos, que atendem a muita gente por dia; os pilotos de avião de carreira, motoristas de caminhão, taxistas, motoristas de ônibus. Todos eles têm risco aumentado de contrair a doença e levá-la adiante, inclusive para outras cidades, outros estados, outros países.
O coronavírus se espalha, principalmente, pelas gotículas que saem pela nossa boca quando falamos e pelas partículas de água que saem do nosso nariz quando respiramos. Isto significa que quanto mais perto as pessoas ficam, quando mais se encostam, e quanto mais trocam entre si o ar que respiram, maior o risco da transmissão.
Mas, como o vírus sobrevive por horas e até dias nas gotículas da saliva, os objetos em que elas caem também podem transmitir a doença pelo toque. Sem contar que partículas muito pequenas, como aquelas que saem da nossa respiração, podem pairar no ar por algum tempo.
Tudo isto significa que o superespalhador não precisa nem ter a doença. Se ele contaminar a mão com um doente e depois pegar na mão de uma pessoa saudável, ele pode transmitir o vírus.
Por isto se pode dizer que, para salvar a vida de pessoas, como os idosos, é importante que eles sejam vacinados. Principalmente aqueles que se encontram recolhidos a asilos. Mas, para ajudar a proteger a sociedade como um todo, os superespalhadores devem ser vacinados com prioridade elevada.
Imunidade de rebanho
Ficamos imunes a uma doença contagiosa de duas formas: quando contraímos a doença e saramos, ou quando nos vacinamos. Em ambos os casos saímos do grupo de risco para aquela doença. Ou, pelo menos, para aquela cepa do vírus. Mesmo assim, no caso da covid-19, quem é imune pode continuar espalhando a doença. Isto porque, como já dito, se a pessoa toca uma pessoa com a doença e depois toca uma pessoa saudável, a transmissão é possível. Embora este meio seja menos frequente ele não é irrelevante. Por isto a importância de lavar sempre as mãos, usar máscaras e limpar bem os objetos de uso comum.
Mas, seja direto – como no caso das gotículas da saliva, seja indireto, mediante toque de mão ou contato com objetos contaminados – o certo é que o vírus precisa de uma cadeia de transmissão. Os elos nesta cadeia são as pessoas e alguns objetos. Se elas deixarem de transmitir, o vírus desaparece. A doença some.
Por isto, quanto aos objetos, a regra é a limpeza total.
Quanto às pessoas, as regras são simples: manter a distância, lavar as mãos, usar máscara e tomar vacina quando disponível. Assim se interrompe a cadeia de transmissão do vírus. Neste sentido, casa pessoa imunizada se torna uma barreira à doença.
Numa coletividade, quando número de imunes cresce, os elos de transmissão caem. É isto que se chama imunidade de rebanho. É o bloqueio do vírus porque ele não encontra meios de propagação. Assim, quando há muitos imunes e poucos não imunes, estes também ficarão protegidos.
Mas, quantos precisam ficar imunes para que se tenha o efeito rebanho?
Isto depende da doença. Por exemplo, para o sarampo, a vacinação precisa atingir mais ou menos 95% da população. Já para a gripe comum, 40% é considerado satisfatório.
Para a covid-19, os dados científicos apurados até agora indicam que é necessário imunizar 70% da população para atingirmos a imunidade de rebanho satisfatória.
É por isto que o Brasil precisa de pelo menos 300 milhões de doses. É o número que nos daria razoável imunidade de rebanho.
Esta, porém, é uma meta que estamos muito longe de alcançar. Ainda não temos estas doses contratadas. Nem um terço delas. A duras penas, até agora o governo conseguiu 9,5 milhões de doses. Mas, estas continuam na maior parte sem uso. Por problemas logísticos, só conseguimos vacinar 4,6 milhões de pessoas no primeiro mês.
Para que a população se veja protegida, o governo precisa trabalhar em duas frentes: de um lado, se esforçar para garantir as doses de vacina; de outro lado, investir na logística para que as vacinas cheguem onde precisam chegar e sejam usadas.
Ao mesmo tempo, temos que garantir as prioridades: com a rapidez possível, vacinar os idosos, pois estão em maior risco; com rapidez maior ainda, vacinar os superespalhadores. Se conseguirmos que eles deixem de ser vetores de transmissão, o espalhamento da doença sofrerá queda rápida.
Isto deve ser feito com muita rapidez, sob pena de termos um agravamento por causa das mutações. Os vírus são criaturas que podem mudar rapidamente. Quando mudam, as vacinas atuais geralmente deixam de funcionar. É o que acontece com a gripe. Todo ano a vacina tem que ser refeita, porque o vírus muda a cada ano e a vacina antiga não funciona mais.
No caso do coronavírus, já se viu que ele também muda rapidamente. Assim, quanto mais tempo a vacinação geral demorar, mais tempo o vírus terá para mudar. Quando mais ele mudar, maior o risco de as vacinas deixarem de funcionar. Se isto acontecer, voltaremos à estaca zero.
O fato é que as vacinas são poucas e quase todos estão ansiosos para serem vacinados. Isto não será possível tão cedo. Mas, se elas forem usadas com rapidez, com inteligência e com boa estratégia, nós começaremos a colher resultados positivos em poucas semanas.
Se não temos vacina para todos, podemos ao menos acelerar o efeito rebanho atacando os pontos de maior transmissão.
Doses recebidas por cada estado
Estado Número de Doses
SP 2.268.040
MG 855.780
BA 736.900
RJ 673.320
PE 545.760
RS 511.200
AM 459.420
PR 352.100
CE 334.900
GO 278.480
PA 251.440
MA 233.140
SC 191.540
MS 190.746
PB 167.446
DF 166.660
MT 161.160
ES 136.820
AL 127.760
RN 113.940
RO 106.800
PI 96.160
RR 95.920
SE 76.160
TO 60.900
AC 54.910
AP 37.000
Total 9.284.402
Até o momento os estados aplicaram aproximadamente 50% das doses que receberam.