Covid: vou sentar num canto e chorar pelas mortes

ALEXANDRE MAGALHÃES – “Tristeza, por favor vai embora / A minha alma que chora / Está vendo o meu fim / Fez do meu coração / A sua moradia / Já é demais o meu penar / Quero voltar aquela / Vida de alegria / Quero de novo cantar / la ra rara, la ra rara / la ra rara, rara / Quero de novo cantar”.

O trecho acima é da música “Tristeza”, de Niltinho e Haroldo Lobo, que eu já ouvi com a Elis Regina, com Toquinho e Vinicius de Moraes, com o Baden Powell, além de sambistas vários.

Esta semana lembrei desta música todos os dias da semana. Apesar da expectativa com o início de ano, que sempre acreditamos que será melhor do que o ano que se finda, 2021 começou dando manota, como se diz por estas plagas de Bom Despacho.

É uma notícia ruim atrás da outra, em todas as áreas. Não me lembro de nada parecido em meus cinquenta e quatro anos. A coisa mais perto disso, em minha memória, foi o surgimento da AIDS. Eu era ainda jovem, louco para namorar, e as notícias indicavam que essa prática era perigosa. O medo tomou conta de todos. Nossas vidas mudaram para sempre…

Quando eu era criança, autoridades eram figuras vetustas, ou seja, necessariamente maduras, sérias, com preocupações importantes. Durante toda esta semana vi o presidente xingar o governador de São Paulo e vice-versa. Pior, os termos envolvidos nestes xingamentos lembram minha infância, com um misto de palavrões e palavras sem muito sentido. “Moleque”, “facínora”, “não é homem”, “marica”, “irresponsável”, foram os termos que posso publicar nesse jornal, com público tão seleto.

Quase duzentos e cinco mil mortos e nossos governantes brincam de ser crianças. Inacreditável!

Manaus em particular, e o Amazonas em geral, vivem um inferno. Literalmente! Mortes por covid-19 aumentando enormemente, leitos de UTI e CTI desaparecendo. Pessoas morrendo porque não há oxigênio nos hospitais. As pessoas morrem sufocadas, porque o novo coronavírus paralisa os pulmões e as pessoas não conseguem puxar o ar. Sem oxigênio externo vindo de cilindros, os enfermos morrem dolorosamente. No momento em que escrevo isso, choro. Se fosse minha mãe, pai, irmão, avó ou amigo eu não responderia por meus atos. Choro mais ao pensar em minha mãe sufocando por falta de oxigênio em um hospital em Manaus…

Esta semana li nos jornais que a cidade vizinha de Divinópolis proibiu a venda de bebidas alcoólicas no… supermercado! Não é no restaurante ou bar, para evitar aglomeração. Proibiram a venda no supermercado! Comentei isso com minha namorada bom-despachense e perguntei se ela achava que Bom Despacho poderia fazer isso também. “O Fernando talvez fizesse isso… mas, hoje acho que não…”.

Nesta quinta-feira fomos a um restaurante, que não está servindo bebidas alcoólicas, e conversando com o proprietário enquanto pagávamos a conta, ouvimos dele que há muitos boatos sobre proibir a venda de bebidas alcoólicas também em Bom Despacho.

Nesta sexta-feira, minha namorada me mostrou um comunicado da prefeitura, na qual o atual prefeito decretou toque de recolher na cidade. Ninguém pode estar na rua depois das dez da noite. Seria verdade? Nunca pensei que veria isso acontecer fora de uma ditadura militar…

Nesta mesma sexta-feira o chanceler da Índia negou que esteja enviando dois milhões de doses de uma das vacinas contra a covid-19 para o Brasil. Havia um avião da Azul no aeroporto de Recife preparado para ir buscar os medicamentos. Não vai mais decolar…

Nesta sexta-feira o Ministério da Saúde, que poderia se chamar Mistério da Saúde, iniciou um bate boca com o Instituto Butantan para obrigar a instituição a fornecer toda sua produção para o governo federal. O governador de São Paulo reagiu e disse que o presidente foi irresponsável durante meses e que agora não seria justo “roubar” as vacinas do povo paulistano. De novo fomos obrigados a ouvir/ler/ver os xingamentos dos dois vetustos: “bobo”, “feio”, “fedorento”, “sua mãe é homem” etc. Lembrei de meu tempo da quinta-série C e nossas brigas.

Vários órgãos de imprensa noticiaram que o Ministério da Saúde prometeu ajuda a Manaus e ao Amazonas, desde que a cidade e o estado usassem cloroquina no tratamento dos enfermos do novo coronavírus. Cloroquina! A mesma cloroquina que o mundo inteiro já sabe que não há comprovação de sua eficácia contra a covid-19. Inacreditável!

Nesta sexta-feira, o presidente e seu auxiliar-mor no setor de notícias, o Alexandre Garcia, fizeram um vídeo defendendo o uso da cloroquina e usaram uma fonte para suportar suas crenças. Jornais sérios e apoiadores do governo, como o Jornal Valor Econômico, mostraram que a fonte utilizada é uma farsa, já há muito descartada por cientistas respeitados. Inacreditável!

Nesta sexta-feira, encontramos um parente de minha namorada bom-despachense, que é médico e atende nos hospitais da região. Ele fez um breve relato da situação da cidade: “não saiam de casa, evitem amigos, parentes, evitem a rua. Os leitos dos hospitais da cidade estão entrando em colapso. Peça para seu pais para que não saiam do sítio. Para nada!”, disse olhando seriamente para minha namorada.

“Tristeza, por favor vai embora / A minha alma que chora / Está vendo o meu fim / Fez do meu coração / A sua moradia / Já é demais o meu penar / Quero voltar aquela / Vida de alegria / Quero de novo cantar / la ra rara, la ra rara / la ra rara, rara / Quero de novo cantar”.

Acabei o texto e terminei de chorar…

Alexandre Magalhães

Alexandre Sanches Magalhães é empresário, consultor e professor de marketing, mestre e doutor pela USP e apaixonado por SP e BD

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