Coronavírus: temos que aprender a conviver com ele

FERNANDO CABRAL – A história da medicina está repleta de boatos, de remédios milagrentos e de panaceias. São produtos da combinação de medo, ignorância e desejo sincero de cura. A cada doença nova, estas coisas ressurgem com vigor renovado. Foi assim com a febre tifoide que enfraqueceu Atenas depois de ter dizimado as populações da Líbia, da Etiópia e do Egito 500 anos antes de Cristo. Foi assim com as pestes dos Antoninos, de Cipriano e de Justiniano que mataram milhões de romanos. Foi assim também com a Lepra, a peste negra e o cólera que grassaram na Idade Média. Foi assim com a gripe asiática, a gripe russa, a gripe espanhola, a AIDS, a gripe suína, a gripe aviária. Está sendo assim com a COVID-19, que já infectou 90 milhões de pessoas e já matou 2 milhões. Enquanto milhões morrem, pessoas ignorantes ou de má índole inventam e espalham boatos, alimentam crendices e divulgam curas miraculosas que não existem. É hora de devolvermos o bastão para os cientistas e para os médicos.

 

Epidemia é quando uma doença contagiosa se espalha rapidamente entre os membros de uma população. Pandemia é quando a doença se alastra rapidamente de país para país. É o que estamos vivendo com a COVID-19. É o que já estamos acostumados a enfrentar todos os anos com a gripe comum e com a gripe H1N1. São pandemias que se repetem.

Epidemias matam. Costumam matar muito. A peste negra e o cólera dizimaram populações inteiras. Segundo alguns cálculos, a gripe espanhola (1917-1918) matou 100 milhões de pessoas. Só no Brasil foram 300 mil, inclusive o presidente Rodrigues Alves. Isto representou a morte de 1% da nossa população da época.

Mesmo considerando que a COVID-19 ainda está longe de atingir as mesmas proporções da gripe espanhola, os números são impressionantes. O Brasil já perdeu 200 mil vidas. Antes que as vacinas cheguem e façam efeito, e antes que os protocolos de tratamento se tornem eficazes, o Brasil deve perder outro tanto de vidas para a doença.

Mas não são só as mortes que contam. Já ultrapassamos os 7 milhões de contaminados. O sofrimento para estas pessoas e para suas famílias é enorme. Sem falar nos prejuízos econômicos para o Brasil e para cada um de nós.

Porém, há a esperança das vacinas que estão chegando. O que isto muda para nós?

Mais de 40 países começaram a vacinar suas populações. O Brasil está muito atrasado, mas é possível ter esperança de que até março a vacinação ganhe fôlego entre nós. Entretanto, não podemos ter otimismo exagerado. Estamos muito atrasados e o cenário para os próximos 6 meses não é dos melhores.

Em primeiro lugar, ainda não temos nenhuma vacina aprovada. Isto ainda deve levar pelo menos uns 10 dias.

Em segundo lugar, a aprovação da vacina é apenas o primeiro passo. O passo seguinte é ter a vacina para imunizar a população. Acontece, porém, que os laboratórios não têm o produto para entregar. O fabricante que está mais adiantado é o Instituto Butantan. Para se ter uma ideia, ele pede mais 4 meses para entregar 46 milhões de doses. Mas, 46 milhões de doses é suficiente apenas para imunizar a metade da população de São Paulo (são duas doses por pessoa).

Ao longo dos meses outros laboratórios devem ser capazes de entregar outros tipos de vacina. No entanto, neste momento os números e prazos são incertos.

Portanto, o primeiro desafio a ser enfrentado é conseguir a vacina na quantidade necessária. Ou seja, pelo menos 300 milhões de doses para imunizar 70% da população. 70% é o número necessário de vacinados para que vejamos um resultado significativo.

Para aplicar estas 300 milhões de doses nós precisamos de igual quantidade de seringas e agulhas. Bem, na última tentativa de comprá-las o Governo Federal conseguiu apenas 7 milhões. Por enquanto, não se sabe como conseguir os 293 milhões que faltam. Este é o segundo desafio.

Logística

O terceiro desafio é resolver os problemas logísticos para a distribuição e conservação das vacinas. Em condições normais já não é fácil fazer as vacinas chegarem a todos os rincões do Brasil. Mas, as vacinas contra o COVID-19 podem colocar dificuldades especiais. Por exemplo, a vacina da Pfizer exige temperaturas de transporte e armazenamento abaixo de -70 Celsius. Não é fácil conseguir câmaras frigoríficas com esta capacidade para caminhões, aviões e navios. Mas, mesmo quando conseguirmos, enfrentaremos o problema da sua conservação nas unidades básicas de saúde. Elas também não têm como guardar a vacina a esta temperatura tão baixa.

Neste sentido, a Coronavac, de origem chinesa, mas fabricada no Brasil pelo Instituto Butantan leva uma grande vantagem. Ela pode ser armazenada em geladeiras comuns. Mesmo fora da geladeira ela resiste por alguns dias. Um desafio a menos, mas o Butantan só conseguiria entregar cerca de 100 milhões de doses até o final de 2021. Portanto, ainda ficarão faltando 200 milhões para chegarmos ao mínimo recomendado.

O que se vê, portanto, é que o Brasil não se preparou para a chegada da vacina. Diferentemente de outros países, não fez compras antecipadas e não garantiu o fornecimento a tempo. Tampouco adquiriu seringas e agulhas e não planejou a logística de distribuição e armazenamento das vacinas.

Em resumo, a vacinação para valer não deve começar antes de março. Mesmo depois de começada, ainda não há garantia de que será possível manter o ritmo necessário para imunizar toda a população em prazo razoável. Digamos, de um ano.

Para imunizarmos 70% da população com duas doses em um ano, precisaremos ser capazes de aplicar cerca de 900 mil doses de vacina por dia. Como comparação, no momento os Estados Unidos estão imunizando 300 mil cidadãos por dia. A China, que ocupa o segundo lugar, está imunizando 180 mil por dia. Portanto, para atingirmos a meta de imunizar 70% da população em um ano precisaremos ser 3 vezes mais rápidos do que os Estados Unidos ou 5 vezes mais rápidos do que a China. Este é um desafio gigante.

No entanto, é certo que o SUS tem uma rede capilarizada e seus profissionais de saúde são bem capacitados para a aplicação de vacinas. Portanto, se não faltar vacina, se não faltar agulha e se não faltar seringa, é possível que até meados de 2022 tenhamos conseguido vacinar pelo menos 70% da nossa população.

Crescimento da Covid-19

Por enquanto, esperar mais do que isto é ser excessivamente otimista.

Assim, embora a vacina já esteja ao alcance de nossas vistas, a cautela recomenda que sejamos cuidadosos. Especialmente num momento crítico em que o espalhamento da COVID-19 voltou a crescer no mundo inteiro, no Brasil, em Minas e em Bom Despacho.

Voltou a crescer porque as pessoas relaxaram com as medidas de prevenção. Deixaram de usar máscaras, estão fazendo festas, reunindo-se em clubes e bares, participando de atividades que criam aglomerações.

No entanto, como os efeitos positivos da vacinação ainda vão demorar muitos meses a chegaram por aqui, todos nós precisamos voltar às práticas recomendadas pelos cientistas: máscara, afastamento social e higiene cuidadosa das mãos.

Estas medidas aumentarão nossas chances de podermos esperar sãos e salvos até que cheguem os resultados da vacinação.

As epidemias estão conosco desde o início dos tempos. As pandemias estão conosco desde que criamos as cidades e passamos a adotar o comércio entre cidades, nações, países. Neste sentido a COVID-19 não é novidade. A novidade que pode nos beneficiar é o fato de que os cientistas são capazes de produzir vacinas em prazos muito curtos e os médicos são capazes de desenvolver protocolos de tratamento que se aperfeiçoam dia a dia e salvam vidas.

Por isto, mais do que nunca, este é o momento de valorizarmos o trabalho dos cientistas, dos médicos e dos demais profissionais de saúde. Isto significa não criar e não disseminar boatos e também não acreditar e não divulgar o uso de remédios milagrentos e panaceias.

Cientistas e médicos não fazem milagres, mas aumentam muito nossas chances de sobrevivência.

Fernando Cabral

Fernando Cabral é licenciado em Ciências Biológicas, advogado, auditor federal e ex-prefeito de Bom Despacho

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