Voltei a BD e a natureza me recebeu de braços abertos
Eu sempre me contentei com pouca coisa. Sempre fui assim, sem muito luxo, sem grandes expectativas. Desde criança me identifiquei com uma frase usada por caminhoneiros e que lia nas estradas paulistas, quando eu e minha família íamos para a praia: “não tenho tudo que amo, mas amo tudo que tenho”. Cabe para mim, com perfeição.
Nunca gostei de comprar carros, nem roupas, na maioria das vezes prefiro um restaurante simples e aconchegante a um caro e luxuoso. Só perdia a cabeça com três produtos: vinho, livro e música. Sempre comprei muito dos três produtos. Com o “quase fim” da mídia da música, o LP ou o CD, minhas gastanças ficaram restritas apenas a vinho e livro, já que a música eu continuo ouvindo diariamente no aplicativo Spotify, gastando bem menos do que na época que comprava discos.
A natureza faz parte de minha vida. Por ser paulistano e não ter acesso a natureza em abundância na cidade, sempre me emocionou o menor contato com ela: uma flor nascida em um buraco em um muro, um pássaro perdido no meio da poluição, uma borboleta pousada em uma rara rosa em algum quintal paulistano. Essas coisas, que para um bom-despachense passam despercebidas, para mim sempre foram motivo para umedecer os olhos.
Minha paixão por Bom Despacho está centrada no convívio com a namorada, que é natural destas plagas, e também no contato com a natureza muito mais abundante por aqui do que em minha terra natal.
No sábado passado, dia que cheguei a Bom Despacho depois de dois meses ausente, fui almoçar na Fazendinha e minha namorada bom-despachense cumprimentou uma amiga, a Sandra Torres. Quando já estávamos acomodados na mesa, esta amiga veio conversar um pouco conosco e perguntou se era eu quem escrevia para o Jornal de Negócios. Diante da confirmação, contou que foi visitar o local onde se juntam os rios Pará e Lambari por causa de um artigo meu no jornal. Contou feliz que adorou o passeio e que nunca tinha ido lá. Agradeceu a mim pela dica. Já fiquei muito contente por isso.
No próprio sábado, eu e minha namorada bom-despachense, fomos visitar meus sogros no bairro Cristais. Logo que chegamos, meu sogro apontou um pé de jamelão (alguns chamam de amora roxa ou ameixa roxa ou preta) e me disse: “está carregadinho, só esperando sua chegada”. Imediatamente, lembrei-me de que há alguns meses comi centenas daquelas deliciosas frutinhas em um fim de semana. Recordei que passei horas colhendo e comendo as delícias embaixo da sombra da árvore. Apesar de estar ainda cheio do almoço recém comido na Fazendinha, fui para debaixo do pé de jamelão e comi centenas delas, só parando com a gulodice porque não havia mais nenhuma ao alcance das mãos.
Fiquei tão feliz de encontrar a árvore carregada de frutos, de poder refestelar-me embaixo do próprio pé, coisa impossível em São Paulo, que julguei-me a pessoa mais feliz do mundo. No mesmo dia, havia recebido o agradecimento de uma bom-despachense por ter dado uma dica de natureza exuberante, a junção dos rios Pará e Lambari, e ainda comi uma quantidade imensa de fruta no próprio pé. Nada mais poderia me fazer feliz naquele dia perfeito.
Mas, estamos em Bom Despacho, e a natureza sempre pode continuar surpreendendo um paulistano. E continuou…
Já era sábado à noite, eu estava deitado na rede na varanda da casa dos meus sogros, minha namorada bom-despachense estava junto comigo, meu sogro estava sentado à mesa lendo o jornal do dia, minha enteada nos fazia companhia, quando vi um animal descendo por uma viga de sustentação do telhado. Como meu sogro era o mais perto do bichinho, gritei para ele emocionado: “olhe um bicho ali, olhe ali, que bicho é esse?”. Minha enteada iluminou o animal com seu celular e meu sogro cravou: “é um gambá, mas pelo seu desespero, achei que era uma onça albina de oito patas”, gracejou, já que ele convive com os gambás no dia a dia de seu sítio e eu os vejo mais em desenhos animados ou ouço seu nome quando o Corinthians joga, já que o apelido do time é gambá.
Acompanhei aquele gambazinho com os olhos e voltei a fazer um pequeno escândalo quando ele pulou do telhado para um arbusto encostado à varanda da casa. Eu continuei tentando acompanhar a trajetória do bichinho, todo feliz, acompanhado em minha felicidade pelo cachorro da casa, o Lionel, que parecia mais interessado em estraçalhar meu novo amiguinho.
Passados alguns minutos, uma rolinha saiu voado de seu ninho, o que me assustou. Era o gambá tentando se alimentar, mas quebrando a cara na empreitada. A rolinha escapou, mas seus ovinhos, que estavam no ninho, viraram um delicioso omelete para o visitante “saruê”, nome pelo qual meu sogro chamou o bicho.
Como disse no início do texto, contento-me com pouco: ter contribuído para uma amiga de minha namorada bom-despachense conhecer um lindo lugar, como a junção dos citados rios, ter comido fruta no pé e ainda ter visto de pertinho um gambá, fez de meu sábado uma benção. Ainda mais, porque no sábado voltei a Bom Despacho e reencontrei minha namorada bom-despachense. No dia seguinte, domingo, lembrei aos risos que minha relação com ela é parecida ao que via, quando criança, no desenho animado Pepe Le Gambá e Penelope Pussycat. Pepe era um gambá que se apaixonava pela gata Penelope, situação muito parecida à que vivo em Bom Despacho com minha gata-namorada. Que felicidade!