O ex-professor e meu sogro: apaixonados pelo que fazem

ALEXANDRE MAGALHÃES – Na semana passada recebi uma ligação de um grande amigo da época de faculdade, o Edu: nosso professor Máximo Barro havia morrido no dia anterior.

Estudamos cinema na Fundação Armando Alvares Penteado e pegamos tempos de vacas magras, em um período no qual o cinema brasileiro era mal visto e não tinha o status que possui hoje.

Éramos jovens e adorávamos cinema. Passávamos horas vendo filmes antigos na moviola da faculdade. Moviola, para os desavisados, é uma mesa enorme e pesada, na qual os filmes eram montados, grudados com fita colante, uma espécie de esparadrapo transparente. Claro, isso era no tempo em que os filmes eram realizados em películas, ou seja, com fotogramas físicos. Hoje. É tudo digital e a montagem de um filme é muito diferente.

Um de nossos professores era o Máximo Barro. Sujeito sistemático, cheio de manias, conservador nos costumes e apaixonado por cinema e por jogar tênis. E jogava muito bem. Corria o boato que a única maneira de fazê-lo largar o trabalho de montagem de um filme era um convite para jogar uma partida de tênis. Éramos sócios do mesmo clube, o Esperia, e joguei muitas vezes contra ele nas inúmeras quadras de saibro do local. Não me lembro de ter ganhado uma única partida sequer. E saibam que naquela época eu tinha meus vinte e poucos anos e ele já havia passado dos sessenta anos de vida.

Máximo Barro não falava de suas glórias no cinema nacional. Quem contava sobre isso eram os outros professores, todos eles também trabalhadores da indústria cinematográfica brasileira. Máximo, por exemplo, havia trabalhado com grandes cineastas. Foi, por exemplo, o montador do primeiro filme do José Mojica Marins, o Zé do Caixão.

Uma das histórias que mais me fascinava, a mim e a meu amigo que mencionei no início desta coluna, era a paixão de Máximo Barro por um tema, que para mim era insignificante à época: a primeira sessão de cinema de cada cidade. Segundo os outros professores, Máximo Barro nunca gozava suas férias com a família ou com os amigos. Todos os anos, quando tirava férias, escolhia uma cidade paulista, ia para esta localidade, enfurnava-se nos arquivos do jornal local e pesquisava as páginas dos diários até encontrar uma notícia sobre a primeira exibição de filme de cinema no município.

Essa pesquisa, que durou décadas, virou vários livros sobre o tema. O livro, li e tenho até hoje, chama-se “A primeira sessão de cinema em São Paulo” e já teve algumas edições. Além de montador, Máximo era historiador, pois era atento a detalhes e falava de um assunto, que para muitos era insignificante, com paixão. Para ele, saber qual havia sido a primeira sessão de cinema em cada cidade, no estado e no Brasil era algo muito relevante para a história nacional. Os outros professores contavam que ele chegava a chorar quando um arquivo de jornal de uma cidade que ele ainda não pesquisara pegava fogo ou era inundado, perdendo-se os exemplares antigos, do final do século XIX. Paixão pura!

Fiquei triste pela morte de meu professor. Viveu noventa anos e quase todos dedicados ao cinema, à pesquisa e à história. Guardarei na memória seu jeito rápido de falar e nossos jogos de tênis no Esperia.

O exemplo do meu sogro

Enquanto lembrava das histórias que vivi com meu professor Máximo Barro, fiquei pensando que ao recordar-me dele, parecia que estava pensando em outra pessoa. Aquilo ficou na minha cabeça, martelando. Quem eu conhecia que era tão dedicado à pesquisa e à história? Máximo morreu dia 30 de outubro, recebi a notícia dia 1 de novembro e, no dia 12, eu me dei conta que realmente conheço alguém tão dedicado a temas e detalhes, que para muitos são insignificantes: meu sogro.

Meu sogro escreve a história de Bom Despacho todos os dias. Sabe datas, fatos, pessoas, histórias e “otras cositas más” como ninguém. Tem uma coleção de jornais antigos guardada em seus armários, material que a maioria de nós jogaria fora ou venderia para o ferro velho. E pior, vira e mexe, pega esses jornais e os relê. Outro dia, pegou o jornal da semana na qual nasceu sua filha mais velha, minha namorada bom-despachense, e me mostrou orgulhoso a coluna que escreveu naquele momento.

Fui testemunha, em várias ocasiões, de pessoas que abordam minha namorada ou sua mãe, para pedirem para ele escrever a história de fulano de tal ou de sicrano aqui no Jornal de Negócios. Li uma coluna sua que retratava os personagens que davam nome a cada rua interna do falecido Sesc. Para cada nome, havia detalhes sobre a vida daquele morador de Bom Despacho.

Liguei para meu amigo Edu e contei isso a ele. Rimos juntos: “parece que você nunca vai conseguir se livrar do Máximo Barro, ele virou seu sogro”, me disse. Há um fundo de verdade nisso. Tanto com Máximo, quanto com meu sogro, encontro o prazer da conversa, da reflexão, de tentar achar o fio da meada que nos faz chegar de um ponto a outro da história, a risada fácil, a vida franciscana, sem desperdícios ou exageros, o respeito das pessoas e dos alunos.

Vida longa aos professores em geral, a meu sogro em particular. Sempre estará em minha memoria, professor Máximo Barro! Vou reler os livros de sua autoria que possuo. É uma forma de homenageá-lo. E prestar atenção aos detalhes da vida, como você me ensinou tão bem.

Alexandre Magalhães

Alexandre Sanches Magalhães é empresário, consultor e professor de marketing, mestre e doutor pela USP e apaixonado por SP e BD

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