As drogas estão levando entes queridos de BD

PAULO HENRIQUE ALVES ARAÚJO – Vivi duas situações na última semana que me trouxeram à consciência o problema das drogas aqui em Bom Despacho. Não conheço do aspecto criminal, de segurança pública, e não me aventuro a falar sobre ele. Mas gostaria de trazer uma reflexão sobre os aspectos humanos a partir de duas histórias.

Estava eu em uma praça, concentrado ao celular, quando ouvi uma melodia ao fundo. No princípio, parecia só um zumbido, daí o volume pareceu aumentar aos poucos, até o momento em que não conseguia mais me concentrar no que fazia e já estava eu ouvindo a cantoria. Isso, cantoria. Era uma senhora, uma gari, que cantava a plenos pulmões do outro lado da praça. E olhando para mim. Percebi então que era uma versão adaptada de um hit da internet do princípio deste ano, “caneta azul”. No caso daquela senhora, a “caneta preta”.

Quando percebeu que conseguira minha atenção, ela começou a me fazer perguntas de lá. Como não a ouvia, me aproximei e sentei perto dela. Ela queria saber o que eu achava da música. Disse que as pessoas ali do bairro gostavam, se divertiam com a letra. Perguntei se era dela a versão, ela me confirmou que sim, a chamei de compositora e ela se divertiu com aquilo. Os dois nos divertimos com a conversa.

Ela me pediu então que arrumasse o fundo de tela do seu celular, queria que eu retirasse a imagem que havia lá. Era a foto de um filho, já falecido. Ela tinha colocado a foto ali para se lembrar dele, mas não queria mais, estava cansada. A morte dele havia sido trágica, morrera ao levar um tiro enquanto guiava uma moto. Era viciado em drogas, e elas o levaram àquela morte. Ela me disse isso assim, seco. Claro que tinha alguma emoção na voz, mas sem rodeios e sem drama. Minha companheira de prosa tem ainda um quadro de saúde complicado, com problemas cardíacos. Mas não quer parar de trabalhar, já viu outros irmãos falecerem quando se aposentaram e se entregaram para a doença. Muito menos quer se render à tristeza por estar sozinha. Prefere andar pelas ruas a cantar, divertindo moradores e passantes como eu.

No mesmo dia, à tarde, fui ao escritório de um amigo. Enquanto conversava com ele, uma moça se assentou numa poltrona ao lado e se pôs a observar nossa conversa. Não a conhecia, achei que trabalhava ali também. Depois de uns 15 minutos nos observando, ela interviu, dizendo ao meu amigo que “ele” – não meu amigo, uma terceira pessoa – estava precisando de ajuda e ela não teria como negar. Meu amigo ponderou que “ele” a fizera sofrer muito, inclusive com agressões físicas, e que ela precisava avaliar tudo com muita serenidade.

Daí já era eu o observador. Ela disse então que tinha medidas protetivas contra ele, que sabia dos riscos. No entanto, “ele” estava muito mal, estava usando drogas mais pesadas, mas estaria disposto a se internar desde que ela o levasse e se comprometesse a visitá-lo. Nesse ponto, os dois olharam para mim, esperando uma opinião. Faltaram palavras, não soube bem o que dizer, disse algo sobre ela se preservar. Daí ela emendou que não queria ver o pai do filho dela morrer naquelas condições.

Aquela menina me parecia ter lá uns 23 anos, um bebê e um ex-companheiro doente, viciado em drogas e condenado a se manter longe das duas por agressões anteriores. E tinha nos olhos uma esperança de que ele poderia se recuperar desta vez.

Gente, tem algo grave acontecendo com a nossa juventude aqui em Bom Despacho. Eu já tinha ouvido relatos genéricos de que o consumo de drogas cresce na cidade, de que algumas praças viraram pontos de venda e consumo, de que possíveis quadrilhas vêm sendo investigadas pela polícia, de que algumas prisões são feitas com alguma frequência. Essa senhora e essa menina me mostraram, entretanto, de que há gente nossa se matando do outro lado dessas notícias, humanizaram o problema para mim.

Sempre tive pavor de drogas, sempre procurei manter distância física e psíquica delas. Lembro de palestras na escola, lembro de campanhas na TV e rádio, lembro de ver gente usando no Carnaval e em festas por aí, lembro de ver, de dentro do carro, pessoas usando nas periferias e viadutos de capitais como Belo Horizonte e Brasília. Mas a humanidade daquelas duas mulheres me mostrou uma realidade aqui ao nosso alcance.

Tenho minhas convicções de que educação, esporte e desenvolvimento econômico podem reduzir as estatísticas. Mas entendi que temos um problema humano muito maior e mais urgente. Precisamos sim dessas soluções ideais para o médio prazo, mas precisamos também implementar soluções para reduzir a quantidade de famílias que vivem esse sofrimento agora. Não dá para ficarmos apenas olhando pela janela.

Se você é usuário de drogas, por favor, reflita sobre o mal que você pode provocar além da sua própria saúde. Pense nos impactos que pode trazer para as vidas das pessoas que ama. Depois que aconteceu, nada ou pouco se pode fazer.

Se você tem alguma autoridade que te possibilite algo para melhorar esse quadro sob qualquer perspectiva, é urgente que você faça o melhor que estiver ao seu alcance. Aquelas pessoas precisam de ajuda agora.

Paulo Henrique Alves Araújo

Paulo Henrique Alves Araújo é gestor e servidor público, mestre em computação e gerente de projetos de inovação

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