O interior é o futuro e BD tem tudo para ter lugar de destaque lá

Cresci aqui entre a Rua Frederico Ozanan, onde minha mãe Dona Rita só me deixava jogar bola na rua depois que terminasse todos os deveres e estudos, e a Avenida das Palmeiras, onde via da varanda o Tiro de Guerra e o Reinado e ouvia no horizonte os shows no parque de exposições. Cresci vendo meu pai vender carro e lidar com as pessoas como poucos, e minha mãe sendo conhecida e respeitada como professora de Ciências e Matemática, dizem (até hoje!) uma das melhores (e mais bravas!) da cidade. Aprendi ali que estudo e empreendedorismo rimam com disciplina e trabalho.

Lembro-me da loja do Vô Pedrinho, onde todos netos adoravam “trabalhar” nas férias. Lembro da serenidade e altivez daquele senhor que nos recebia e ensinava com carinho, que criou 10 filhos com a renda de uma loja super tradicional na cidade – que a modernidade, as crises e os chineses também levaram ao fim recentemente. Mas vamos ficar com as memórias daqueles anos na loja e na casa da Praça Inconfidência, contando carros e casos sentado na varanda com Vó Maria ou fazendo aquela paradinha estratégica pra água no final da Procissão do Enterro na Sexta-Feira da Paixão.

Diploma de graduação na mão, montei empresa, rodei a região Sudeste vendendo e implantando sistemas, voltei à UFMG para fazer mestrado, participei de uma “pontocom” e surfei um tempo o boom da internet no final dos anos 90. Iniciado o novo século, fui parar em Brasília encantado pelos prédios sem muros e cercas elétricas, onde poderia criar meus meninos soltos e deixar experimentarem um pouco da liberdade que tanto prezei na infância em Bom Despacho. E foi bom demais nesse aspecto: Brasília foi um oásis de interior na minha vida familiar, com o mercado de tecnologia de uma capital.

O princípio lá foi desafiador. Confesso que tinha preconceito com serviço público, não queria fazer concurso de jeito nenhum! Queria morar em Brasília, mas sendo representante ou sócio de uma empresa bem sucedida na área de tecnologia, esse era meu sonho. Trabalhei duro por isso. Comecei por um projeto na matriz de um banco público e depois tive a oportunidade de gerenciar um contrato no Exército Brasileiro, desenvolvendo sistemas de gestão financeira e orçamentária. Exército inclusive que foi mais uma importante escola, surpreendendo-me pelo alto nível de gestão.

Mas, voltando ao plano original, não consegui avançar além disso. Tivemos algumas oportunidades de contratos maiores, mas invariavelmente nos deparávamos com barreiras éticas importantes. A corrupção era dura, forte, e dominava o mercado de tecnologia em Brasília. Não prosperava quem, como nós, não se corrompia. É triste ver um país tão rico ser roubado por covardes que decidem tomar um caminho “fácil” de ganhar dinheiro. Não era o meu caminho.

Isso me levou ao serviço público. Em busca de uma história profissional sólida e honesta, e com uma certa dose de “vontade de fazer diferente”, retomei a boa e velha disciplina de estudos. Lembro dos tempos de Praxedes, Chiquinha Soares e Tiradentes, das noites e finais de semana na UFMG, que se repetiram na preparação para os concursos. Caminho longo que me levou à aprovação em concursos públicos muito disputados. Depois de 2 anos no Banco Central, já estou na Câmara dos Deputados há 12 anos como servidor concursado.

Na Câmara dos Deputados, tive o prazer de fazer parte da realização de grandes projetos, como as primeiras transmissões ao vivo de reuniões de comissões parlamentares do mundo, o primeiro serviço de dados abertos entre parlamentos,  a primeira transmissão ao vivo na internet com mais de 1 milhão de visualizações no Brasil (no impeachment da Presidente Dilma Roussef), o primeiro laboratório de inovação cidadã dentro de um parlamento. Viajei a vários países a convite de outros parlamentos e organizações internacionais, como ONU, OCDE e ParlAmericas, para mostrar o que fazemos e, claro, ter a oportunidade de conhecer do melhor que se faz nos parlamentos mundo afora. Tenho o prazer de ter amigos em organizações que fiscalizam e combatem fortemente a corrupção e a ineficiência nos órgãos públicos, como Transparência  Internacional e Observatório Social do Brasil. Tenho orgulho de ser parte de um grupo de cidadãos que “se infiltrou no governo” para trabalhar não por seus próprios interesses, mas pela sociedade, e colhe resultados.

Enfim, participei de algumas e vi muitas iniciativas que estão transformando o perfil da política e da administração pública no Brasil e no exterior. É sobre isso que quero escrever para vocês. Vimos coisas boas acontecendo em Bom Despacho nos últimos anos. Temos que reconhecer, valorizar e cultivar essas boas iniciativas! Mas quero trazer aqui um pouco de inovações que eu e alguns amigos temos visto e que acredito podem trazer um tempero interessante para a prosperidade do município.

Desenvolvimento não precisa rimar com capital ou com industrial. Pelo contrário, o desenvolvimento está migrando com força para o interior, novos modelos têm despontado e são crescentes a participação popular e as inovações tecnológicas. Isso não começou com a pandemia, ainda que o medo de fenômenos assim reforce esse movimento. O interior é rico, o interior é saudável, o interior é acolhedor, e está cheio de oportunidades. Há vários exemplos disso, inclusive em Bom Despacho. Mas espero trazer algum ingrediente mais, uma pitada mais de sal, um legume diferente, um novo corte de carne.

Se você tem uma sugestão interessante sobre o tema, deixe pra gente nos comentários. Uma cidade inteligente, uma referência de desenvolvimento humano, um estudo sobre tendências para o interior… Juntando uma ideia aqui e outra acolá, podemos fazer uma mistura muito mais rica!

Paulo Henrique Alves Araújo

Paulo Henrique Alves Araújo é gestor e servidor público, mestre em computação e gerente de projetos de inovação

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