O bolo do Fridirico, leiteiro alemão da BD antiga

Naqueles tempos, a meninada deitava cedo e levantava mais cedo ainda. Pelo menos a meninada da Vila Militar. E olha que não era pouco menino. De cada casa saiam pelo cinco ou seis, de todas as idades e iam formando frojocas em vários pontos das três ruas daquele verdadeiro berçário do 7º Batalhão de Bom Despacho. Junto com o sol, que nascia alí pelos lados da Colônia dos Alemães, não demorava a surgir, lá no comecinho da Rua do Meio, o cavalinho do Fridirico, um alazão mestiço, manso que nem gato de armazém. De cada lado da sela pendiam quatro latões de leite fresco, um peso que chegava a vergar o lombo do animal. Fridirico era o leiteiro da Vila.

No início do século, um programa do governo federal cedeu terra a estrangeiros que desejassem se estabelecer no Brasil. Muitas famílias alemãs vieram residir nos arredores de Bom Despacho. Cultivavam a terra, criavam o gado e prosperaram com o trabalho duro. Fridirico vendia o leite na Vila. Um litro com uma haste era introduzido no latão e servido aos compradores. Muitos moradores reclamavam que a lata estava muito amassada e não continha um litro certinho. Mas o leiteiro nunca trocou a lata e os clientes preferiam confiar no alemão a criar encrenca com uma pessoa tão afável e honesta. Afinal, debaixo dos mais fortes temporais, dia santo ou feriado, sob o frio congelante, mal raiava o dia, as famílias recebiam o leitinho direto da fazenda.

Mas não era só essa fidelidade canina que fazia do Fridirico a figura mais amada, mais esperada, mais idolatrada da meninada da Vila. Todo dia ele trazia um bolo e dava a uma criança que gritava em volta do alazão. Todas tinham o seu dia. Ele memorizava bem os agraciados. Esse bolo escuro, quase preto, formato pão de forma, com quatro camadas, recheadas com um creme tipo patê, feito de fígado de ave. É o que eu penso, pois o Fridirico nunca deu detalhes sobre o tão cobiçado bolo. Não sei dizer se era saboroso ou não, porque a alegria de ganhar o sonhado bolo me fez esquecer até que gosto ele tinha.

Virou divertimento da criançada rodear o leiteiro e, como um bando buliçoso de andorinhas, gritar repetidas vezes: Fridirico, cadê meu bolo? Com toda paciência do mundo, o alemão respondia incansavelmente: Ainda vem. E, assim, findando a manhã, com os latões vazios, para alegria do alazão, Fridirico sumia na esquina da Rua de Cima para reaparecer na manhã seguinte, com o bolo prometido.

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