Empreendedorismo corre na nossa veia em Bom Despacho

Quando eu era minino em Bom Despacho, a gente gostava bem de arrumar um jeito de ganhar um dinheirinho extra. Graças a Deus e a muito trabalho de Seu Majela e Dona Rita, nunca nos faltou nada do essencial. Mas, preparando-nos para ganharmos as nossas próprias vidas, além de nos cobrarem muita dedicação aos estudos, eles nos incentivavam a viabilizar alguns supérfluos por meio de uns microempreendimentos.

Primeiro, antes de qualquer coisa, vinham nossos estudos. Eles eram muito exigentes, especialmente Dona Rita – que alguns devem recordar das salas de aula de Matemática e Ciências. Esse compromisso com os estudos vinha antes de todos! Lembro-me que ela tinha um controle diário sobre nossas tarefas escolares. A gente tinha uma turma boa que jogava bola todo dia, no final da tarde, ali na Rua Frederico Ozanan. Vinham amigos da Rua da Olaria, do entorno do Chiquinha Soares e tinha dia que até de locais mais distantes dali, como o Bairro de Fátima e a Tabatinga. Tempo bom demais! Mas, para jogar bola, eu e Reinaldo tínhamos que concluir todos os estudos e deveres, e ainda tínhamos que fazer certo. Acho que aprendi a estudar de tanto que queria jogar aquela pelada no final do dia… rs rs rs

Os nossos pequenos empreendimentos também vinham depois, mas vinham com uma carga muito interessante de superação de limites. Lembro-me de Dona Rita nos dizer que não podíamos aceitar passivamente alguém dizer que não daríamos conta do que quer que fosse. Ela nos incentivava reiteradamente a avançar nossos limites, aumentar nossa capacidade. E nessa, além de estudar para jogar bola no final do dia, vez por outra eu inventava alguma forma de ganhar um dinheirinho para bancar “meus investimentos”, como as caixas de chicletes Ping Pong para ter as figurinhas do álbum do Campeonato Brasileiro. Fizemos várias coisas, desde fabricar chup chup (geladinho, sacolé ou dim dim) e vender na rua, até promover apresentações circenses com a “trupe da Frederico Ozanan” (com ingressos pagos pelos nossos pais e seus amigos).

Iniciativas como essas eram comuns entre amigos e conhecidos, assim como é frequente o espírito empreendedor dessa nossa geração aqui em Bom Despacho. Um grande amigo acabou de fechar um negócio de décadas, porque não era mais rentável, e imediatamente está abrindo um novo. Um outro administra um restaurante junto com o pai e irmãos e passou por toda uma pandemia se adaptando e se reinventando, com um fluxo de caixa reduzido, mas viável, e está voltando a funcionar a pleno vapor agora. Outro produzia mudas de eucalipto, viu uma crise afugentar seus clientes há uns 2 anos, reduziu sua equipe, diversificou a produção, abriu um mercado saudável e, não apenas se manteve vivo no mercado, como ampliou seu portfólio de produtos.

E esse movimento em Bom Despacho começou antes de nossa geração. Meus pais são exemplo disso. Muitos conhecem a história do meu pai, o Majela da Volks, com a venda de automóveis na cidade. Ele foi por um longo período uma das principais referências nesse mercado na cidade. Mas talvez poucos saibam que minha mãe, Dona Rita, professora de Matemática e Ciências, também empreendeu depois de se aposentar. Na década de 1990, ela e meu pai se depararam com dificuldades financeiras para bancar nossos estudos universitários em Belo Horizonte. Em vez de se render à dificuldade, ela deu, já passados os seus 50 anos de idade, a demonstração de que o sangue empreendedor também corre nela. Primeiro, Dona Rita se tornou distribuidora de uma fábrica de cosméticos para profissionais de estética. Percebeu então que precisava conhecer dos tratamentos estéticos para vender melhor, retomou os estudos e se especializou como esteticista. Satisfeita com os resultados iniciais em Bom Despacho, começou a vender para outros municípios da região. Além de complementar a renda familiar para financiar nossos estudos, minha mãe conseguiu montar uma clínica própria, fazer outros pequenos investimentos, conhecer muitas pessoas e descobrir uma nova vocação.

Os casos são inúmeros em Bom Despacho. Olhe à sua volta, na sua família, no seu círculo de amigos, você encontrará pessoas empreendedoras. E de alto nível! Só de produtores rurais, temos algumas centenas, todos empreendedores, ainda que nem sempre os reconheçamos e que muitos se sintam inseguros para se apresentarem assim. O Comitê Futuro do Agronegócio está elaborando um programa de formação em gestão e finanças, em parceria com o Sebrae, para aproximar nossos produtores das mais recentes ferramentas e técnicas de gestão, com especial atenção para os aspectos financeiros, mas não se atendo somente a eles. A Cooperbom tem iniciado ações para retomar seu papel como cooperativa de produtores, fortalecendo os pequenos e o cooperativismo, com ações como a adoção de cooperados como fornecedores preferenciais de hortifruti para seus supermercados.

O mercado é duro, o mercado é seletivo, premia os mais preparados e pune os incautos. E qual a receita para empreender com sucesso? Pergunta complicada, são muitos fatores envolvidos. Mas a história de sucesso certamente tem o empreendedor como protagonista. Empreender depende muito do indivíduo, de suas habilidades e capacitação. Estudos mostram que muitos desses requisitos podem ser desenvolvidos pelo sistema educacional, tanto as capacidades quanto as habilidades. Assim, capacitação é uma prioridade, e quanto antes a pessoa começar, melhor.

A CDL/Acibom tem uma iniciativa importante nesse sentido, o Programa Aprendiz. Atendendo a mais de 200 jovens entre 14 e 24 anos, e com duração de 16 meses, o programa concilia formação profissional e educação empreendedora, permitindo ao jovem oriundo do ensino médio um primeiro emprego como aprendiz e o aprendizado de conteúdos educacionais complementares, como uso de computadores e sistemas de informação, ética e empreendedorismo.

Ao meu ver, os principais limites para empreender são culturais. Uma sociedade que constrói mais barreiras do que oportunidades é limitante. Um sistema educacional que não instiga seus jovens a criarem e liderarem é um outro problema. Mas, por outro lado, uma cidade que vê com tanta naturalidade os desafios e os riscos de empreender, tem muito potencial. Bom Despacho tem muita coisa à mão, acreditem, e dá para complementar o que falta.

Bora montar um negocinho?

Paulo Henrique Alves Araújo

Paulo Henrique Alves Araújo é gestor e servidor público, mestre em computação e gerente de projetos de inovação

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