Bom Despacho, polo de tecnologia? Isso já está começando
Tecnologia é muito mais do que um modismo, um luxo ou um capricho. Tem ganhado também contornos muito mais amplos do que simplesmente computadores, bits e bytes. Até porque computação está cada vez mais em tudo, desde o telefone celular que você carrega no bolso até o agora polêmico saco de arroz que compramos no supermercado, que antes de ser embalado passa por um processo eletrônico de seleção de grãos. Pense selecionar os grãos de todos os sacos de arroz que estão agora nas prateleiras sem o apoio da tecnologia!
Quando era criança, eu sonhava me tornar George Lucas. Para quem não conhece, ele foi o criador das franquias Star Wars e Indiana Jones, filmes que marcaram minha infância e adolescência. Esses filmes foram ícones de uma geração inteira de nerds e geeks, apaixonados por ficção, aventura e… tecnologia! Fascinava a todos a forma como se criava mundos fantásticos, batalhas espaciais, sequências alucinantes de ação que lotavam as salas de cinema. Em Bom Despacho, no meu caso, a sala de cinema: o Cine Regina.
Bom Despacho tem dessas coisas. A gente não tinha asfalto, mas tinha uma senhora sala de cinema. Como, durante minha infância, Vô Waldemar e Vó Meranda moraram um bom tempo em Belo Horizonte, era comum visita-los nas férias e aproveitar para assistir aos lançamentos dos Trapalhões e das sagas de George Lucas e Steven Spielberg. Ok, tínhamos uma senhora sala em Bom Despacho, mas os filmes chegavam aqui depois, então a ansiedade nos levava a BH antes. Mas, à medida que a adolescência chegou, mudamos um pouco o foco, começamos a ir ao cinema sem os pais, com amigos, amigas, paqueras. O Cine Regina foi marcante!
Mas voltando à tecnologia por detrás da tela, eu queria ser especialista em computação gráfica. Além dos filmes, outro marco para nossa geração foi o surgimento dos videogames. Lembro que Dudu, da Tia Narcisa, foi quem primeiro me apresentou um “telejogo”. Era um equipamento que tinha um teclado, acho que dois joysticks, e se conectava à TV. Lembro-me bem de um jogo que tinha duas barrinhas nos cantos da tela e uma bolinha que corria de um lado ao outro. Perdia o ponto quem não conseguisse barrar a passagem da bolinha no seu canto da tela. Depois vieram o Pac Man e o Enduro do Atari do Rogério, seguido pelo Senhor das Trevas do nosso Odyssey. Eu e Reinaldo jogávamos aquilo por horas! É, talvez eu deva ser mais compreensivo com o Xbox de Cauê…
No final das contas, esses elementos me fizeram sonhar ser um “jedi da computação”. Some-se a isso os fatos de que eu gostava bem de matemática e de que analista de sistemas era uma profissão promissora (o que agradava a meus pais), e estava então aberto o caminho para minha vida profissional: computação! E, ao mesmo tempo, o caminho para minha saída de Bom Despacho.
Quase 30 anos depois, a tecnologia está cada dia mais estabelecida como o novo normal. E, diferentemente da Covid, sem data para deixar nossa sociedade. Ela está nas ruas, nos lares, nos mares, na zona rural, em todo lugar. A formação nessa área começa cada vez mais cedo, seja em casa com a inclusão de dispositivos tecnológicos na rotina das crianças desde os primeiros dias de vida, seja na escola pela inclusão de conteúdo da área desde a educação infantil, com o que se está denominando “letramento digital”. Da mesma forma que tem mudado a base da formação digital, o ensino superior e o mercado evoluíram muito nesses anos.
Dia desses, estava conversando com Daniel e Luiz André, jovens empresários do setor aqui em Bom Despacho. Eles também se formaram na área, um pouco depois de mim (ok, beeeeeeeem depois). Eles têm aqui em Bom Despacho um ambiente de trabalho leve, moderno, com pessoal qualificado, boa produtividade e clientes (!) satisfeitos. E eles não são os únicos.
A cidade já dispõe também de curso universitário na nossa área, além de opções em algumas cidades próximas. Enfim, o jovem bom-despachense que quiser ser um jedi da computação não precisa mais deixar sua terra, família e amigos, ele pode começar aqui, bem no coração das Minas Gerais. E acredito que isso seja apenas a ponta do iceberg…
Estima-se que haja no mundo um déficit de pelo menos 300 mil desenvolvedores de sistemas. Alguns países, como Índia e Coreia do Sul, têm adotado a estratégia de formar um batalhão de profissionais com esse perfil, apostando massivamente na educação tecnológica. Além, claro, de recrutarem desenvolvedores dispostos a trabalhar remotamente de qualquer parte do mundo. E o que isso tem a ver com Bom Despacho? Tudo, se forem adiante projetos que já estão se desenhando no município.
O primeiro deles trata da transformação de parte do antigo Sesc em uma “cidade cibernética”. Projeto da atual gestão municipal, ela seria uma das formas de aproveitamento daquele espaço que Bom Despacho recebeu recentemente em concessão. A prefeitura pretende criar um ambiente para o desenvolvimento de startups de tecnologia com suporte de parceiros como Sebrae e Fiemg. O objetivo é facilitar e acelerar o desenvolvimento de empresas de base tecnológica na região. Outra proposta em discussão no município é a inclusão do letramento digital desde a educação infantil no município, dando o suporte pedagógico para os conhecimentos e habilidades que as novas gerações já estão aprendendo no dia a dia.
Uma proposta que defendo há alguns anos e que pode se somar a essas é o ensino médio profissionalizante tecnológico. Acredito que é estratégico para o país ensinar profissões no ensino médio. Criamos no Brasil um modelo educacional que leva os jovens a almejarem a universidade. Que faculdade e que curso? Isso não importa tanto. Nossas famílias “compraram” uma ideia de que os jovens devem se dedicar apenas aos estudos das disciplinas fundamentais até o ensino médio. Trabalhar ou aprender uma profissão não faz parte do “currículo” desses jovens.
O problema é que esses jovens terminam o ensino médio, se tudo correr bem, com 18 anos. Alguns com mais de 18, porque não conseguem se dedicar integralmente a um sistema de ensino que não profissionaliza. Na prática, temos um sistema que retarda o amadurecimento de nossos jovens, uma vez que se distancia da realidade do trabalho da vida adulta, obrigando-os a buscar o ensino superior ou a se submeter a algum subemprego no início da sua maioridade. E daí favorecemos nosso subdesenvolvimento como país e o fosso que limita a ascensão social.
Vamos criar um ensino médio em tempo integral profissionalizante? De preferência, tecnológico? Minha profissão mesmo, como analista de sistemas, adquiri em 4 anos de faculdade, na UFMG. Mas poderiam muito bem ser 3 anos, ainda mais se o foco fosse apenas desenvolvimento de sistemas. Lançaríamos no mercado de trabalho algumas centenas de jovens desenvolvedores de sistemas todo ano em Bom Despacho, os quais poderiam trabalhar imediatamente. E notem que poderiam trabalhar em empresas aqui no município, atraídas pelas ações já em curso e pela crescente disponibilidade de mão de obra especializada, ou poderiam trabalhar remotamente para empresas de Belo Horizonte, Brasília, São Paulo, Canadá ou Índia – como muitos já estão fazendo, mesmo antes da pandemia.
Um jovem que hoje sai do ensino médio sem perspectiva de futuro passaria a sair empregado, em uma área com excelentes perspectivas de futuro, podendo então fazer sua escolha quanto ao ensino superior (inclusive se quer fazer ou não). Poderia ser um “jedi da tecnologia” em Bom Despacho, mantendo-se ao lado da família e amigos, e fazendo crescer toda a economia local em torno de uma indústria com inegável potencial.
Alguns dos países que mais crescem no mundo já perceberam a oportunidade e adotaram estratégias nessa direção. Bom Despacho pode fazê-lo também, e já.
“A chave do sucesso nos negócios é perceber aonde o mundo se dirige e chegar ali primeiro.”