Política, espondilite e a chacota com o sofrimento alheio

Um antigo provérbio diz que no amor e na guerra vale tudo. A história convalida o provérbio. Em guerras já vimos acontecer de tudo. Nas paixões amorosas também. No entanto, para ser completo, o provérbio deveria também falar da política eleitoral em Bom Despacho. Aqui também parece que vale tudo. Aqui valem fake news, valem insinuações, valem meias verdades. Valem até mentiras inteiras e valem agressões por motivo de raça, de origem, de religião, de orientação sexual. O veículo preferido para as agressões é o WhatsApp, um verdadeiro vício de muitos bom-despachenses. Entre eles, há aqueles que pensam e agem como se o ciberespaço fosse um reino sem lei nem grei. Muitos sofrem e poucos ganham com este vale tudo.

 

No início de abril eu me afastei da prefeitura por motivo de saúde. Isto aconteceu depois de eu ter passado 6 meses trabalhando com dores intensas provocadas por uma doença chamada espondilite ancilosante. Entre as dores começarem e os médicos chegarem a um diagnóstico foram quase 6 meses. Foi uma época difícil. Eu tomava analgésicos e anti-inflamatórios. As dores diminuíam um pouco, mas logo voltavam. No entanto, não sabia o que estava provocando as dores.

Quando os médicos finalmente fecharam o diagnóstico, senti um baque mas também um grande alívio.

O baque, porque fui diagnosticado com uma doença que não tem cura, é muito debilitante, os tratamentos são precários e têm efeitos colaterais significativos.

Além do mais, embora a doença raramente mate, ela quase sempre aleija. O paciente perde o movimento do pescoço, da coluna, da bacia. A coluna fica deformada e se enrijece. Em alguns casos mais raros, pode haver complicações com os pulmões, os rins, o coração e os olhos.

Um terço dos pacientes sofre com inflamações nos olhos, principalmente irite (inflamação da íris) e uveíte (inflamação da úvea). No meu caso, eu já vinha tendo crises de uveíte há mais de 30 anos. Infelizmente, até agora estes repetidos episódios de uveíte não haviam sido associados à espondilite.

Mas com o baque veio o alívio de eu poder finalmente entender o que estava acontecendo. As dores intensas que mudavam de lugar e que atingiam toda a coluna, costelas, bacia, ombros e outras juntas; aquela incapacidade de me movimentar; o cansaço permanente, tudo isto fazia parte da doença. E por trás dela estava uma inflamação generalizada que o médicos puderam constatar nos exames de sangue e na ressonância magnética.

Diagnostica a doença, procurei estudar o assunto. Encontrei muitos livros e estudos científicos a respeito. A maioria, pessimista. Mas encontrei esperança também. Principalmente, encontrei mundo afora pessoas que colocaram a doença em remissão. Dentre elas, muitas se beneficiaram de medicamentos receitados pelos médicos e comprados em farmácias ou aplicados em hospitais. Mas, os melhores resultados que encontrei foi entre pacientes que passaram a praticar exercícios físicos e adotaram uma dieta rigorosamente controlada.

Em vista dos resultados que conheci, optei pelo tratamento mediante exercícios e dieta. Larguei os medicamentos para dor. Seis meses depois, estou colhendo bons resultados. Minha coluna e minhas costelas raramente doem. Consigo respirar bem, o que não conseguia no início. A bacia dói muito pouco e só de raro em raro. Ainda tenho uma dor contínua no ombro esquerdo, na virilha direita e no pescoço, mas nada que se compare ao que era antes.

Com o controle da dor já consigo caminhar bem; posso fazer posturas de ioga e movimentos de tai chi. Penso que estou próximo da remissão – ou seja, uma fase da doença em que ela some e parece nem existir.

Mas, por que estou contando isto?

Esperança para outros

Tenho dois motivos. O primeiro é dar esperança para todos que sofrem de espondilite. Nas minhas pesquisas na literatura médica e nas minhas trocas de ideias com pacientes do mundo inteiro, encontrei muitos casos de remissão completa. Mesmo onde não houve remissão completa encontrei melhoras muito acentuadas. Isto significa que se a pessoa encontrar o medicamento certo, ou a dieta e os exercícios certos (como é o meu caso), a doença deixará de ser tão assustadora e pode até ficar sob completo controle.

O segundo motivo é mostrar como algumas pessoas são capazes de transformar o sofrimento alheio em chacota e plataforma eleitoral.

Chacota com sofrimento alheio

Desde que voltei a caminhar, alguns políticos que querem aparecer às minhas custas me seguem pelas ruas, tiram fotografias minhas. Dias destes, na minha primeira volta de bicicleta por recomendação médica, fui seguido por um carro e me filmaram subindo a Rua do Rosário, no São José. Depois eles publicaram as fotografias e o vídeo como se fosse prova de que eu não tenho espondilite. Dizem que se eu tivesse espondilite estaria na cama.

Ao fazer isto mostram que são ignorantes, presunçosos e desonestos. Em Bom Despacho somos entre 500 e 1000 pessoas que sofremos com espondilite. Dentre nós, a enorme maioria continua levando vida quase normal. Com dores, sim, muitas, mas sem desanimar. Temos comerciários, policiais militares, industriários e fazendeiros. Temos vereador e profissionais liberais. Todos aprenderam a controlar a dor ou conviver com ela.

Agora aparecem estes políticos desonestos tentando convencer a população de que quem tem espondilite deve ficar na cama. No entanto, é o contrário. Com relação à espondilite, o único consenso que existe entre todas as linhas de medicina é que o exercício é o cuidado mais importante para que o paciente sinta menos dores e não se enrijeça a ponto de perder os movimentos. Quanto aos demais cuidados – entre eles dieta, medicamentos, insolação, suplementos – não há consenso.

Ou seja, uma coisa é certa: quem sofre de espondilite não pode se entregar à dor e à paralisia. Ao contrário, deve se esforçar para fazer o máximo de exercícios que puder. Deve fazer isto todos os dias de sua vida, até o final dos seus dias.

Mas não estou resumindo meu histórico com a doença para responder a estes candidatos que me seguem pelas ruas, me fotografam, me filmam e me expõem nas redes sociais. São pobres coitados que precisam de compaixão. Estou contando tudo isto para compartilhar minha experiência com os 500 ou 1000 bom-despachenses que sofrem com a doença. São pessoas que precisam ter certeza de que há como amenizar e até acabar com a dor. Elas precisam saber que não devem ficar quietas e esperar que um dia suas colunas se enrijeçam de vez e elas percam seus movimentos ao ponto de precisarem de cadeira de rodas.

É para estas pessoas que trago minha história de convívio com a espondilite. Quero compartilhar com elas minha experiência até aqui muito bem sucedida de que exercícios diários e dieta podem controlar a doença a ponto de ela entrar em remissão. No meu caso ainda tenho alguns pontos doloridos, mas já melhorei pelo menos 90%. Mas já encontrei pessoas que se consideram “curadas”, pois já faz anos que não sentem dores nem limitações de movimentos.

É por isto que me confrange o coração ver estes políticos prestarem tão mau serviço aos bom-despachenses que sofrem com a doença. Quando eles dizem que o paciente não pode caminhar, não pode correr, não pode andar de bicicletas, estão divulgando informações falsas. São as malditas fake news. Insisto: quem sofre de espondilite ancilosante deve e precisa fazer o máximo de exercício físico que der conta. Todos os dias, e para o resto da vida. Principalmente no início, quando a doença acarreta muita dor, isto não é fácil, mas é necessário.

Felizmente, o período eleitoral passa e estes maus políticos também passam. A doença, porém, é para a vida toda. Nós, que estamos acometidos por ela, temos que nos cuidar hoje e sempre, até o fim dos nossos dias. Assim, se me exponho aqui hoje, é na esperança de que todos que sofrem com esta doença incurável possam se beneficiar de uma nova visão do tratamento dela. Talvez meu exemplo seja útil. De um inválido acamado que fui no final de dezembro passado, agora, 8 meses depois, estou bastante ativo, restam-me poucas dores e tenho limitações mínimas nos movimentos. Continuo melhorando. E o que mostram os exames que faço a cada 15 dias.

Diz o provérbio que há males que vêm para bem. Por isto acredito que a perseguição e o assédio moral que estes maus candidatos estão fazendo contra mim são uma boa oportunidade. Oportunidade que para aqueles que sofrem de espondilite e seus familiares tenham a certeza de que a doença pode ser controlada e pode haver grandes ganhos na qualidade de vida.

Por isto, se você sofre de espondilite, não se deixe guiar por informações falsas como estas divulgadas por estes candidatos. Mantenha-se fiel às orientações do médico de sua confiança, mas procure saber mais sobre exercícios e sobre dietas. A despeito da dor, movimente-se dentro de suas possibilidades. Em pouco tempo você terá melhoras significativas, com menos dor e maior liberdade de movimento. Quem sabe, até uma remissão completa? Eu acredito. Eu trabalho para isto.

Fernando Cabral

Fernando Cabral é licenciado em Ciências Biológicas, advogado, auditor federal e ex-prefeito de Bom Despacho

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