Pandemia do Covid-19: Entre a Cruz e o Caldeirão

Parece que a covid-19 colocou o Brasil numa situação sem saída: ou salvamos vidas, ou salvamos a economia. Mas a pergunta é: quem serve a quem? As pessoas existem para fazer a economia funcionar ou a economia existe para atender as necessidades das pessoas? Precisamos decidir esta questão ética e prática antes de fazermos o complicado cálculo de equiparação entre renda perdida e vidas perdidas.

Para quase todos nós a morte é um sentimento vago. Quanto mais jovens somos, mais vago. Até dobrarmos a serra e descermos a ladeira do envelhecimento vivemos na ilusão da imortalidade. A certeza de que morreremos fica ofuscada, exceto por alguns instantes fugazes quando perdermos um parente, um amigo vizinho.

A chegada do coronavírus deveria nos ter afastado desde mecanismo que nos faz viver como se a morte não fosse chegar. Afinal, faz meses que a estamos vendo matar na China, na Europa, nos Estados Unidos. Até hoje, 4 milhões de doentes e 280 mil mortos. Assustador.

A despeito disto, para os brasileiros parece que a morte só acontece lá fora. “Ela não chegará aqui” – parece ser o que todos esperam. No entanto, é esperança vã. O coronavírus está entre nós e não nos poupará. Não tapemos o sol com a peneira: fará entre nós mais estrago do que já fez na Europa e está fazendo nos Estados Unidos.

Convém lembrar que as epidemias são sorrateiras. Elas chegam devagar, como quem não quer assustar. Poucas mortes ali, poucas mortes acolá. Isto engana as pessoas, pois passadas algumas semanas, aquele mal que parecia pequeno e lerdo se mostra grande, ganha força e acelera. Avança como um tsunami. Fica descontrolado.Foi o que aconteceu na Itália; é o que começa a acontecer no Brasil agora.

Entre nós a doença não será menos agressiva do que está sendo lá fora. Será igual. Talvez seja pior devido às deficiências do nosso sistema de saúde.

Os números comparativos abaixo mostram que temos muito por que nos preocuparmos.

Taxa de mortalidade

A taxa de mortalidade indica quantos morrem de cada grupo de pessoas que contraiu a doença. O quadro abaixo mostra quantos morrem de cada 1.000 contaminados nos quatro países escolhidos para comparação.

Número de mortes por 1.000 contaminados confirmados
PAÍS Espanha Brasil USA Rússia
MORTES 102 68 60 9

 

O número 68 por 1.000 entre nós é mais assustador do que os 102 por mil da Espanha. Isto porque lá eles já passaram o pior. De agora em diante, a situação vai só melhorar. No Brasil, porém, ainda vai piorar muito antes de melhorar. Além disto, como nosso sistema de saúde é pior do que o deles, podemos esperar uma piora considerável neste quesito.

Taxa de Espalhamento

A taxa de espalhamento é importante porque ela indica a velocidade com que a doença avança. Quanto maior a taxa, pior a situação. Hoje (7/maio), com base na média dos últimos 10 dias, as taxas de espalhamento para os mesmos países são:

Taxa de espalhamento diária nos quatro países comparados
PAÍS Espanha Brasil USA Rússia
TAXA MÉDIA
DE 10 DIAS
1,02% 7,39% 2,49% 7,35%

 

Ou seja, entre nós a doença está avançando de forma quase três vezes mais célere do que nos Estados Unidos. (A Espanha não conta neste momento, pois já está em desaceleração).

Tempo para dobrar o número de casos

Conhecida a taxa de espalhamento podemos calcular de quantos em quantos dias dobrará o número de casos. Empatado com a Rússia, também neste quesito o Brasil está em situação pior do que os Estados Unidos. Enquanto lá a doença leva um mês para dobrar o número de contaminados, aqui ela leva apenas 10 dias.

Número de dias para dobrar a quantidade de casos
País Espanha Brasil USA Rússia
Dias 68 10 28 10

 

Pacientes Ativos

Pacientes ativos são aqueles que ainda estão em tratamento. Ou seja, nem se recuperaram, nem morreram. Este número se reflete diretamente no sistema de saúde e na economia. Na economia, porque são pessoas que estão impedidas de trabalhar. Na saúde, porque são pessoas que ocupam o sistema e ainda provocam prejuízos para doentes com outras doenças.

Percentagem de mortos x percentagem de ativos
PAÍS Espanha Brasil USA Rússia
ATIVOS (n) 66.686 71.233 1.075.614 159.528
ATIVOS (%) 26,03% 52,46% 83,20% 84,92%
MORTOS (%) 10,15% 6,77% 5,95% 0,92%

 

Exceto pelo percentual de mortos, a Espanha aparece em posição melhor do que os demais porque já superou o pico. Ou seja, está saindo da epidemia.

Os demais países, entre eles o Brasil, ainda estão em expansão.

Prazo de dobramento

Os números acima nos mostram a realidade. Eles nos dizem: “é assim que a situação está”. Na verdade, não está boa para ninguém.

Assim como calculamos o prazo de dobramento dos contaminados, podemos também calcular o prazo de dobramento para os recuperados, os mortos, os ativos. Os números estão sumarizados no quadro abaixo.

Prazo de dobra, em dias
PAÍS Espanha Brasil USA Rússia
CONTAMINADOS 68 10 28 10
ATIVOS -23 9 37 11
MORTOS 77 10 23 10
RECUPERADOS 21 10 11 6

 

A triste notícia que a tabela nos traz é que, se nada for feito, em mais 10 dias (até 17 de maio) o Brasil terá somando 300 mil contaminados e 18 mil mortos.

Mas é bom lembrar que projeção não é adivinhação, profecia ou determinação. O que ela nos dá é uma visão antecipada do futuro, se nada for feito para modificá-lo. É isto que está representado no quadro acima.

Minas, como está?

Minas está ligeiramente melhor do que a média do Brasil, porém não muito. No nosso estado, estamos dobrando o número de contaminados e o número de mortos a cada 13 dias. Portanto, mantida esta tendência, até o dia 20 de maio teremos 5.540 contaminados e 212 mortos.

Bom Despacho, por enquanto, está um pouco melhor do que o Estado. No entanto, devido aos últimos acontecimentos, esta situação pode se alterar em poucos dias.

Os números mostram que a morte está chegando cada vez mais perto de nós, de nossas famílias, de nossos amigos. Se investirmos mais em salvar vidas (isolamento), vamos prejudicar mais a economia. Se investirmos mais em salvar a economia (fim do isolamento) perderemos mais vidas e talvez percamos a economia também.

Afinal, do ponto de vista ético, esta não parece uma escolha muito difícil. Pensando bem, do ponto de vista pragmático também não. Tenho certeza de que, com responsabilidade e criatividade será possível salvar milhares de vidas e também fazer com que a economia ande. Isto só depende de medidas acertadas.

Fernando Cabral

Fernando Cabral é licenciado em Ciências Biológicas, advogado, auditor federal e ex-prefeito de Bom Despacho

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *