Conhecer a história de Bom Despacho e seus personagens

Gosto de conhecer a história das coisas, dos lugares, das pessoas, dos nomes das pessoas, dos animais, das raças dos animais, das músicas, das amizades, enfim, sou um curioso contumaz.

No primeiro dia de aula nas universidades nas quais sou professor, sigo sempre o mesmo roteiro: apresento-me aos alunos e peço para que eles façam um pequeno resumo de si mesmos, com nome, idade, local de nascença, por que estão naquele curso, entre outras coisas. Ao final da apresentação, repito todos os nomes, pois os guardei na memória. Os alunos acham isso respeitoso, pois passo a chamá-los pelos nomes. Quando me deparo com um nome fora do comum, pergunto a origem, que muitas vezes é a junção de nomes de avós ou pais, ou uma homenagem a alguém da família ou a um ator ou atriz que a mãe ou o pai admiravam.

Muita gente acha estranho que eu me interesse pela história das coisas e dos nomes. Há um ano, aproximadamente, estava com minha namorada bom-despachense na Lapinha, na região da Serra do Cipó, onde conheci uma mulher chamada Mairna. Para desespero de minha namorada, que envergonhou-se tanto de minhas questões acerca do nome, que pediu desculpas para a moça, eu perguntei a ela se seus pais haviam escolhido Marina e o cartório havia trocado duas letras de lugar. A Mairna entendeu que minha curiosidade era genuína e respondeu calmamente, dizendo que seu nome era uma homenagem a uma conhecida de sua mãe, cujo nome era esse. Passado o constrangimento de minha namorada bom-despachense, vivemos um fim de semana muito agradável ao lado da Mairna.

Um dos meus assuntos preferidos quando encontro meu sogro é perguntar sobre a história de Bom Despacho. Ele que é um estudioso do tema, sempre explica-me os fatos da cidade, suas curiosidades, seus personagens, suas histórias pitorescas. Aliás, quando perguntei a minha futura namorada bom-despachense o nome de sua cidade, imediatamente após ouvir a denominação de seu município, perguntei se o nome tinha origem nos despachos religiosos de origem africana. Imediatamente negado, ela me explicou que a origem do nome remete a uma santa católica portuguesa que é conhecida como Nossa Senhora do Bom Despacho.

Em um desses encontros dominicais com meu sogro, disse a ele que gostaria de aprofundar meus conhecimentos sobre a Festa do Reinado de Nossa Senhora do Rosário e sobre os escravos congoleses da Tabatinga. O primeiro tema interessou-me recentemente, por causa da convivência com a cozinheira de minha namorada bom-despachense, a Eleuza, pessoa muito enfronhada nas tradições musicais da cidade e objeto de minha coluna da semana passada, na qual falo das festas Folia de Reis, São Sebastião, Reinado e Congado. O segundo tema interessa-me há mais tempo, desde que conversei com o Marcelo Cabral, que me deu uma aula sobre a língua da Tabatinga e seus usos correntes nas ruas de Bom Despacho.

Meu sogro, ao ouvir sobre minhas duas curiosidades, levantou-se da mesa do almoço, foi até seu quarto e me trouxe um exemplar do livro “A história do Rosário e a Festa do Reinado”, obra de 2008 de autoria de Benjamim da Silva Sobrinho. O livro fala sobre a festa em si, seus ritos, seus danças, sua história. Cada detalhe da festa é tratado no livro, como a origem do nome, por que um mastro é levantado antes do início da festa, significado das bandeiras, enfim, uma obra perfeita para um curioso como eu, que só conheci a festa do Reinado por vídeos no Youtube. Adorei ler o livro do Benjamim.

Passados alguns dias do primeiro empréstimo, meu sogro apareceu aqui na casa de minha namorada bom-despachense e me trouxe um livro que cobiço há alguns anos, desde minha conversa com o Marcelo Cabral: “Pé preto no barro branco – a língua dos negros da Tabatinga”, uma obra de 1998 de autoria da Sônia Queiroz. O livro, cuja leitura é apaixonante, conta a história dos negros na região de Bom Despacho e tem grande foco na origem da língua, seu léxico, sua musicalidade, especialmente dos negros que habitavam a costa da África. No final da obra, há um dicionário, que mata a curiosidade de qualquer pessoa interessada em línguas estrangeiras.

Posso dizer que uma pessoa curiosa como eu, que gosta de saber a origem das coisas, terá enorme prazer em degustar esta obra.

Sei que meu sogro é ciumento com seus livros, assim como eu sou com os meus, por isso, entendo o empréstimo recebido de meu sogro como um enorme gesto para contribuir com minha formação sobre a história de Bom Despacho, história essa que é muito cara para ele, como é importante para o Marcelo Cabral, para as pessoas que mantém a língua da Tabatinga viva, para as pessoas que mantém as danças e músicas das festas tradicionais da cidade, como a Eleuza, e para os autores das duas obras citadas, o Benjamim e a Sônia, que dedicaram um esforço grande para conservar a beleza da história desta cidade, suas nuances, seu vocabulário próprio, sua musicalidade especial.

Neste mergulho que fiz na história de Bom Despacho pude acalentar algumas paixões: minhas curiosidades, amor pela história de cada lugar, pelas pessoas que cuidam para que a tradição não se perca, pelos livros e pela leitura.

Adorei saber um pouco mais sobre esta cidade que cada vez mais faz parte de minha própria história.

Alexandre Magalhães

Alexandre Sanches Magalhães é empresário, consultor e professor de marketing, mestre e doutor pela USP e apaixonado por SP e BD

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